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Adolfo Lima: “O Mar dos Açores tem de ser fundamentalmente governado pelos açorianos”

Adolfo Lima: “O Mar dos Açores tem de ser fundamentalmente governado pelos açorianos”

Entrevista concedida ao Correio dos Açores por Adolfo Lima, Secretário Regional das Pescas entre 1981 e 1996

Foi Secretário das Pescas desde 1981 até 1996. Como eram as Pescas nessa época nos Açores?
A situação que eu encontrei na Região não tem nada a ver com o que se passa hoje. São questões económicas diametralmente opostas. Enquanto, na Agricultura, a modernização se sentia com evidência, as Pescas estavam um pouco estagnadas. Há uma excepção nisso, que é o caso do atum, onde tínhamos uma tradição da indústria a nível internacional. Sobretudo, na outra pesca, foi preciso encontrar formas de modernizar, de andar para a frente e de investir. Era uma pesca que estava economicamente um pouco adormecida, com excepção do atum.

Encontrou muitos obstáculos?
Não.

A mudança foi fácil?
Foi relativamente fácil e foi gratificante, digamos assim. As coisas iam-se fazendo e aparecendo, quer nas infra-estruturas, quer na frota. Persiste uma situação que não está resolvida que é o problema da comercialização do peixe de fundo. Esta é uma questão que tem de ser abordada ainda com alguma veemência.

E o que se deveria fazer?
Os nossos recursos são escassos. Não temos recursos com abundância. Muitas das nossas espécies estão sujeitas a quotas de pesca e, portanto, a comercialização tem de ir no sentido de uma valorização acentuada na qualidade do produto e na procura de mercados diferentes e que, de facto, sejam capazes de, financeiramente, compensar o sector de extracção, neste caso o pescador, com melhores níveis económicos.

Porque é que isso ainda não foi feito?
Não é fácil. Isso engloba, a montante, um tratamento do pescado de forma diferente, engloba um circuito de transportes que tem de ser totalmente diferente do que existe actualmente para que o mercado interno e o mercado externo tenham dinâmica. Quando falámos dos Açores, nas áreas económicas do sector primário (Pesca e Agricultura), um dos problemas reside nos transportes. Isso é uma coisa que necessita de uma revolução para se poder colocar o produto em sítio melhor, mais longe e com melhor preço. Isso exige uma capacidade de abordar os transportes de forma diferente. Senão, não temos solução para isso.

Há quem entenda que as associações de pescadores não estão a desempenhar bem o seu papel. Concorda com essa visão?
Não lhe sei responder a isso. Tinha a necessidade de conhecer mais em pormenor o que eles pensam e o que estão a fazer para poder dar uma opinião. Gosto de dar opiniões sobre aquilo que sei e, sobre aquilo que não sei, não tenho opinião. Até porque as preocupações das associações, eventualmente, são outras e diferentes das minhas. O que lhe volto a dizer é o seguinte: Os nossos recursos são escassos, têm que ser colocados em mercados diferentes, em mercados que paguem melhor e isso reflecte-se, depois, no sector, desde a extracção até aos comerciantes. E isso exige uma autêntica revolução no sector dos transportes.

Enquanto governante viveu a fase da entrada na União Europeia…
Eu é que trabalhei essa entrada. A minha Secretaria Regional da Agricultura e Pescas apanhou toda a problemática relacionada com a integração europeia. Eu, aliás, como já tinha estado no Ministério da Agricultura nestas funções, chefiei a primeira delegação do Ministério para o estudo do chamado direito derivado, a aproximação da legislação comunitário à nossa. Portanto, isso foi tudo trabalhado pela Secretaria nos governos onde eu estive.

Concorda com as limitações de quotas da União Europeia. Considera que as quotas são ‘um travão’ ao sector das pescas?
Muitas vezes são. Sejamos claros mas as nossas relações começam em Lisboa e aí muitas vezes não se compreende a nossa situação arquipelágica. Há uma falta de sensibilidade e uma falta de conhecimento das nossas realidades concretas. Não havia e continua a não haver uma visão global dos Açores de Lisboa para cá. As ilhas têm de se governar mais por si próprias e têm que procurar os seus caminhos, as suas soluções e, ao nível do chamado continente europeu, existem muitas dificuldades em explicar isso às pessoas. Eu estive em situações em que tive de discutir muito a sério com Bruxelas sobre questões dos Açores e a primeira coisa que notava era uma falta de conhecimento e sensibilidade. Querer aplicar aos Açores as leis da concorrência (que a Europa guarda como se fosse o mais importante problema económico da Europa) da mesma maneira que se aplica no continente europeu é uma barbaridade. Nós temos que ter soluções nossas, soluções que entendam os nossos problemas, que sirvam a nossa economia e não entraves burocráticos e entraves em nome de um edifício legislativo que, muitas vezes, não têm aplicação prática em ilhas como as nossas.

Começou por dizer que, enquanto governante, encontrou o sector do atum em estado mais avançado…
Não se esqueça que a conserva do atum era exportada para países europeus, um dos quais a Itália, onde a qualidade era uma coisa indiscutível. E a nossa indústria do atum fazia uma conserva de qualidade mundial. Só quem conhece o mercado italiano como eu conheci, onde tivemos uma acção fortíssima para a promoção da conserva do atum dos Açores, é que percebe que estes são os mercados que nos interessam. São mercados que pagam melhor mas que exigem, e nisso os italianos não ‘brincam em serviço’, qualidade e a nossa indústria de conserva de atum tinha qualidade e eu estou a falar de coisas anteriores à Autonomia. Esta qualidade da conserva é centenária.

Notámos que disse que tinha qualidade (passado). Hoje em dia, já não tem a mesma qualidade?
Continua a ter.

Como vê esse sector actualmente? A Santa Catarina tem tido alguns problemas…
A Conserveira de São Jorge é a Conserveira de São Jorge e não vou agora abordar esse assunto, até porque ela foi agora vendida a uns privados. A Conserveira que actua nos Açores é a Cofaco, a Corretora ainda fabrica bom produto e a própria fábrica de São Jorge também o faz.

Não considera que exista um problema nesse sector?
Na minha opinião, não vejo que haja um problema de qualidade na conserva de atum.

Em que outro tipo de pescado poderíamos apostar mais ao nível da transformação?
O nosso chamado peixe de fundo é de elevadíssima qualidade em todo o mundo só que temos recursos que são escassos. Temos de sobrevalorizar esse produto escasso para podermos retirar mais vantagens económicas e é aí que digo que entram o circuito comercial, o marketing e o problema dos transportes.

É a chamada ‘pescadinha de rabo na boca’?
Não diria tanto porque estas coisas, ao fim ao cabo, embora com alguma lentidão, têm evoluído. Se visitar um grande mercado em Lisboa está lá nas bancas a distinção do peixe dos Açores que é muito valorizado. Agora, é preciso valorizar ainda mais o circuito e isso tem muito a ver com o problema dos transportes.  
 
A aquacultura está a entrar em força no mercado. Considera que pode vir a ser uma ameaça para as pescas?
Não, porque uma coisa é o peixe de extracção do mar e outra é o de produção em aquacultura. São coisas diferentes e mercados que têm de ser distintos e não se pode pagar o mesmo preço por um peixe extraído do mar. A aquacultura nos Açores tem soluções técnicas que não são fáceis e isso tem de ser visto por quem sabe.

Não há o risco de muita gente começar a optar pelo peixe de aquacultura em função do seu preço mais baixo?
O peixe é um produto que entra na composição da dieta e é um produto caro. Isso não acontece apenas nos Açores e em Portugal. Vendemos peixe de elevadíssima qualidade no continente mas não nos podemos esquecer que há 2 milhões de portugueses que vivem no limite da pobreza e há mais outros milhões de reformados e só posso comprar peixe se o meu dinheiro chegar para isso. Nesta situação portuguesa, que é um país pobre, não se pode pedir às pessoas que vão ao supermercado comprar peixe que é objectivamente caro. Mas não pode deixar de ser caro porque, como já disse, os recursos são escassos, estão sujeitos a limites de captura e se o preço não aumenta, o grande prejudicado é o pescador açoriano.

É favorável à criação de uma quota regional para que algum do peixe fique cá a preços mais acessíveis?
Esse não é um assunto a que possa responder de qualquer forma porque é uma situação complexa. Se tenho um produto para vender e esse produto pode ser exportado, procuro mercados que paguem bem. Se isso prejudica o consumo dos Açores, é uma questão que tem de ser estudada e não pode ser vista com leviandade. É uma questão complexa e, se fosse simples, já estava resolvida. Deixe-me dizer outra coisa, os problemas de hoje já estão todos resolvidos e, quando falamos, estou a pensar na próxima geração porque a verdadeira política não pode ser para resolver os problemas de hoje. Um político que pensa na próxima geração é um bom político, o que pensa apenas no dia-a-dia, não é um bom político. Estamos aqui a falar de assuntos que exigem um profundo estudo técnico e científico. Exigem uma abordagem correcta e sobretudo hoje em dia, vivemos numa situação terrível; estamos encharcados de informação, com pouco conhecimento e nenhuma sabedoria. Os problemas só se resolvem com sabedoria mas as pessoas vão à internet, onde têm tudo, mas depois não alcançam conhecimento porque não têm tempo para digerir a informação e até para separar a informação boa da má. Aqui há tempos perguntaram-me qual era a diferença entre o meu tempo e o actual. Expliquei algo muito simples; no meu tempo o que levava um ano hoje dura uma semana.

Qual a sua opinião sobre a Lei do Mar?
É muito simples e o Mar dos Açores tem de ser fundamentalmente governado pelos açorianos. Isto tem de ser explicado em Lisboa e em Bruxelas. Não nos esqueçamos que a dimensão atlântica de Portugal é dada pela Zona Económica Exclusiva (ZEE) dos Açores e da Madeira e isto representa que a presença atlântica da Comunidade Europeia é dada pelos Açores. Esta gente tem de perceber que quem tem de governar os Açores nessa matéria, independentemente de leis gerais, são os que conhecem o problema e quem o conhece são os açorianos.

Foi homenageado na cerimónia de abertura da Semana das Pescas. Considera que esse foi um reconhecimento merecido?
Seria hipócrita se não dissesse que sim mas atenção que esse reconhecimento não é apenas a mim. Vejo neste reconhecimento as dezenas de pessoas que trabalharam e que deram o seu máximo contributo. Não se faz nada sozinho e foram muitas as pessoas que andaram nisto durante 16 anos.

Fonte: Correio dos Açores

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