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Arte xávega pede respeito por quem vive do mar e quer bater à porta da UNESCO

Arte xávega pede respeito por quem vive do mar e quer bater à porta da UNESCO

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Federação de municípios pode ganhar forma para apresentação de uma candidatura conjunta a património da humanidade. Cá dentro, Almada já avançou, segue-se Ovar.

A arte xávega, de Espinho à Costa da Caparica, vai sobrevivendo a muito custo, resistindo como pode. Há dois anos, esta pesca artesanal feita com rede e alagem para terra não chegava às 40 embarcações. A situação dos pescadores pode piorar, mas ainda há gente de olhos postos nesta arte que pede respeito por quem se faz ao mar. Almada já apresentou uma candidatura a Património Cultural Imaterial de Portugal, Espinho prepara o processo, Ovar vai seguir o mesmo caminho. Não há aqui duplicação de esforços, há sim vontade de cada município mostrar que esta faina merece respirar e viver com dignidade. E quantos mais concelhos, onde essa arte tem expressão, avançarem com uma candidatura, melhor, porque a ideia é criar uma espécie de federação que apresente uma candidatura conjunta à UNESCO. O grande objectivo é conquistar o estatuto de Património Imaterial da Humanidade para a arte xávega.

Há ano e meio que Ovar anda a registar histórias, imagens, vídeos, desta arte. Agora quer apresentar uma candidatura da pesca e dos pescadores da arte xávega a Património Cultural Imaterial de Portugal. Para isso, reuniu os pescadores de Esmoriz, Cortegaça, Furadouro e Torrão do Lameiro para lhes perguntar, de viva voz, se querem ou não querem que esse passo seja dado. Na reunião, que encheu o Posto de Atendimento Turístico do Furadouro, a câmara ouviu um sim. A pergunta foi directa. “Querem ou não querem avançar com esta candidatura?”, perguntou Salvador Malheiro, presidente da Câmara de Ovar. Ouviu-se um sonoro “queremos”. Não restam dúvidas, a candidatura vai avançar.

Os tempos não estão fáceis. Fernando Fonseca, de Cortegaça, é pescador há 15 anos, há quatro por conta própria, com uma embarcação para gerir. Espera que a reunião comece, mas a decisão já está tomada na sua cabeça. Tem esperança que uma maior visibilidade da arte xávega traga benefícios à comunidade piscatória. “Temos de tentar, alguém tem de nos ajudar para isto andar para a frente. É uma mais-valia porque divulga o turismo e isso é muito importante para nós”, refere. A arte xávega, essa técnica de pesca tradicional em que é utilizada uma rede de cerco, lançada ao mar e depois puxada para terra, resiste com dificuldades. As leis não ajudam, os apoios não chegam. “É o único tipo de pesca que não tem ajudas. Trabalhamos quatro meses no Verão e nos restantes não temos direito a nada”. E se o mar não deixa, os barcos ficam em terra.

Os homens que ganham no mar o que põem à mesa fazem contas à vida. De Agosto a Agosto, é preciso atingir seis mil euros de pescado ou não há licença. No ano passado, Fernando Fonseca conseguiu atingir esse valor. “Foi mesmo à tangente”, confessa.

Manuel Matos sempre foi pescador. Trabalha no Torrão do Lameiro e veio ao Furadouro, à reunião, ver o que irá acontecer. Concorda com a candidatura e fala também em dificuldades. “A gente depende do mar e, na arte xávega, o mar tem de nos deixar trabalhar”. Em terra, espera-se que o mar fique menos bravo, haverá ainda alguns meses pela frente. Há ainda os tamanhos do peixe que têm de ser respeitados para que possa ser vendido. E quem lança as redes, não sabe o que trará para terra. “Isto está muito difícil. Ao preço que se vende o peixe, se não houver quem consiga dar apoio, mais dia menos dia, vai parar tudo”, diz. Hugo José Sardo, pescador no Furadouro, tem a mesma opinião. “Se esta arte não for ajudada, desaparecerá tudo”. As dificuldades também surgem no seu discurso. “Os quatro meses de Verão não chegam para nos governarmos o ano todo, e para quem tem família é muito pior”. Desconta-se para a Segurança Social e não há ajuda quando o barco pára. “Descontamos mas não temos direito a apoios”. A candidatura parece-lhe uma boa medida. “Há muitas dificuldades, mas vamos desistir de uma coisa tão bonita?”, pergunta.

Grito de alerta
Ovar chamou os pescadores da sua costa para a reunião e convidou Alfredo Pinheiro Marques, do Centro de Estudos do Mar, que acredita que o trabalho de cada município é importante para dar a conhecer a realidade da arte xávega e chamar a atenção dentro e fora do país. Acredita que os esforços não serão em vão e, na sua opinião, esta arte precisa de legislação que lhe facilite a vida, de mais apoios e do reconhecimento da sua importância social e cultural. “Podemos convencer o país e a UNESCO a darem os meios para esta arte”. Candidatura a candidatura, a importância aumenta. “Podemos juntar tudo isso e criar uma candidatura à UNESCO. Tudo o que se fizer em cada concelho será um contributo importante”, sublinha.

Mais do que uma pesca, é um modo de vida
Nos séculos XVIII e XIX, as praias de Ovar eram o principal centro da prática de pesca com rede e alagem para terra. Há muito que a arte xávega marca a identidade vareira e, portanto, há que salvaguardá-la. Mais do que uma tipologia de pesca que se quer perpetuar, é um modo de vida enraizado nas comunidades que vivem ao pé do mar que se quer valorizar.

Ana Paula Reis, chefe de Divisão da Cultura, Desporto e Juventude da Câmara de Ovar, estuda esta arte e anda a registar tudo o que é importante para a candidatura que se quer apresentar. Esta arte é única e Ovar mantém as embarcações de madeira de há 100 anos. O barco, o meia-lua, que lhe confere uma especificidade irrepetível em qualquer parte do mundo.

“A prática da pesca com rede e alagem para terra, também designada por arte xávega ou artes, envolve comunidades de restrito contacto com outros grupos sociais, frequentemente com áreas de residência também delimitadas e restritas às suas gentes, com forte proximidade ao mar e aos palheiros onde guardam as suas ferramentas de trabalho”, descreve. É uma arte que habitualmente passa de geração em geração. O homem é o pescador, a mulher peixeira, os filhos seguem o mesmo rumo. “São comunidades profundamente religiosas, cientes da sua instável realidade, na dependência do mar que ‘tudo dá e tudo tira’, tendo portanto como principal companheiro a fé e a oração”. No final do século XIX, contavam-se mais de 7000 pessoas nas companhas da arte xávega, sem contar com os que ficavam em terra. Agora há menos gentes e várias ameaças: os jovens que não querem esta arte, outros meios de pesca mais eficazes, o assoreamento das praias, a legislação apertada.

Fonte: Público

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