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Cientistas procuram amenizar emissões de metano para a atmosfera inserindo algas açorianas na alimentação do gado
Entrevista com Artur Oliveira, diretor comercial da seaExpert
Correio dos Açores – Há quanto tempo a seaExpert faz recolha de algas?
Artur Oliveira, Director comercial da seaExpert – A seaExpert é uma empresa de serviços e consultoria na área das pescas, sedeada no Faial desde 2003. A oportunidade de trabalhar na apanha de algas surgiu em 2013, quando o CEO da seaExpert, Henrique Ramos, recebeu um contacto do Dr. Leonardo Mata, que trabalhava na altura na Austrália em projectos científicos e que procurava por um fornecedor de algas para apanhar uma espécie que temos aqui nos Açores, a Asparagopsis taxiformis. Como é difícil encontrar bons fornecedores de algas selvagens a nível global, ele lançou-nos o desafio, que foi prontamente aceite e desde então este foi um sector que se estabeleceu na nossa empresa e que tem tido um crescente sucesso.
O que torna estas algas tão procuradas e especiais?
Os primeiros estudos relativamente à redução das emissões de metano por parte do gado ruminante tornaram esta espécie muito procurada, principalmente por equipas de investigação, que pretendem comprovar, seja in vitro ou in vivo (aplicado directamente na dieta dos animais) essas alegações.
Para além disso, estudos mais recentes mostram que a aplicação desta alga na dieta do gado permite também obter bons resultados na produtividade dos animais e na qualidade dos produtos, seja carne ou leite, sendo assim benéfico tanto para o ambiente como para a sociedade em geral, inclusive para os próprios produtores que têm em mãos um composto que aumenta a produtividade da sua exploração.
Esta alga já foi exportada para oito países diferentes. Esta exportação ocorreu apenas para auxiliar a investigação científica que se tem vindo a desenvolver para estudar a redução de metano no gado ruminante?
Para este número de países, relativamente à Asparagopsis taxiformis, as exportações serviram essas mesmas investigações. Se falarmos em todas as outras (algas), felizmente, falaríamos em muitos mais países. Temos exportado para diversas regiões, sendo esse número relativo às investigações que começaram em 2016 na Austrália. Desde então, várias universidades e institutos de investigação privados de diversos países têm mostrado interesse e requisitado os nossos serviços de apanha de algas.
Considera que o crescente interesse nesta alga pode trazer alguma consequência para o ecossistema em causa?
Poderá trazer se não houver os devidos cuidados. Já por isso, e muito bem, existe legislação regional aplicável, a Portaria n.º 69 de Junho de 2018, conhecida como a “Lei da Apanha”, que lista as regras a ter em conta na apanha de diversos organismos marinhos, entre eles as algas.
No nosso caso, isto interessa para a questão das algas, tendo essa legislação recebido actualizações anuais, não só nas espécies com apanha autorizada, mas também no limite de emissão de licenças de apanha individuais por ilha, tendo em conta a população e a sua actividade de apanha. Há também um limite estabelecido no peso que pode ser apanhado por dia e por apanhador, entre muitos outros detalhes.
Para além disso, a apanha das algas é uma actividade pouco difundida actualmente nos Açores, tendo sido já muito importante no passado. A seaExpert visa também a exploração de algas que são menos conhecidas e muito pouco comercializadas no mundo inteiro, e como há poucas empresas no sector, apesar da existência desta legislação a nível regional, ainda assim não é suficiente para ter uma política de sustentabilidade bem fundamentada. Há muitas outras regras que é preciso ter em conta, e nós próprios, dentro da nossa empresa, temos um plano de gestão e política de sustentabilidade de forma a extrairmos um recurso natural dos nossos mares mas, ao mesmo tempo, preservando a sua sustentabilidade e a defesa dos ecossistemas costeiros marinhos ao longo dos anos.
Na sua opinião, o que falta ser revisto ou aplicado neste contexto?
São recomendações, algumas podiam ser tidas como obrigatórias e outras mais facultativas, mas falta algum tipo de informação relativamente à rotatividade de zonas de apanha, algo que não está previsto na legislação mas que é muito importante de forma a dar tempo para a reposição de stocks. Para além disso, é muito importante ter noção, mesmo que empírica, de quais os stocks anuais de cada espécie em cada ilha.
(…) Mas isto não é matemático. Estamos a falar de um recurso selvagem, num ambiente altamente afectado por diversas condicionantes do ambiente e da natureza – podemos ter imenso stock de uma certa alga este ano e nos próximos anos não ter tanto. Temos sempre que ter uma relação muito próxima com a natureza e perceber os sinais que esta nos apresenta.
Outras recomendações que seriam importantes inserir numa política de sustentabilidade e dentro da legislação é ter em atenção a captura acessória, algo que está já muito bem previsto na pesca mas não na Lei da Apanha, que é ter o cuidado de apanhar exactamente a espécie que queremos, evitando outras algas ou animais que vivem em proximidade com as nossas espécies-alvo. Seria também muito importante os apanhadores serem contemplados com uma formação de cariz obrigatório, podendo ser leccionado em institutos e escolas por empresas certificadas.
Quanto mais atenção a empresa atrai, mais importante se torna tudo isto…
Claramente. Temos que ter em mente que, antes de sermos uma empresa de extracção de um recurso natural, somos protectores do oceano, mas é isto que é um bocado inverso ao que a sociedade tem sido habituada nos últimos anos. Grande parte das empresas que são nossos clientes ou que nos procuram querem exactamente isso e não uma empresa que forneça o produto sem consciencialização moral e ética, querem uma empresa que forneça um produto de qualidade e processado com qualidade, seja através da secagem ou da congelação, mas que tenha noção dos limites e que respeite a natureza (…).
As notícias mais recentes falam da utilização destas algas açorianas na alimentação do gado ruminante como uma espécie de caminho para a sustentabilidade. Será de facto possível percorrer esse caminho com a quantidade de algas existente neste momento?
Nunca será possível, porque a indústria, seja de carne ou de leite, é uma indústria muito, muito, muito grande. Mesmo que todos os países do mundo tivessem esta alga presente nas suas águas em estado selvagem, nunca haveria alga suficiente para fornecer essa indústria.
Portanto, ter esta alga no estado selvagem e fornecê-la para investigação é e será sempre útil, mas pensando a jusante, no futuro, a solução teria sempre que passar pela aquacultura, pela produção desta alga de forma controlada. Neste campo, desde que saiu o primeiro artigo, em 2016, há várias iniciativas e empresas que estão a trabalhar no sentido de conseguir produzir esta alga em grande escala. Já é conhecido como produzi-la em aquacultura, mas ainda numa pequena escala.
Mesmo aquele que consegue fornecer alguma alga produzida em aquacultura, é ainda considerada pouca quantidade, apenas útil a nível experimental. Falta ainda descobrir como produzir em grande escala e, aí sim, podemos vislumbrar um futuro em que realmente possa existir um produto generalizado e comercializado em todo o mundo. Mesmo considerando esta alga como muito abundante nos Açores e noutras partes do mundo, nunca chegará para fornecer sequer uma parte desta indústria, pois esta precisará da biomassa durante todo o ano, enquanto que a alga está presente durante apenas três ou quatro meses em grande quantidade e em tamanho ideal para apanha.
E se fosse utilizada pelos agricultores da ilha de São Miguel de uma forma geral, seria possível alcançar uma certa sustentabilidade local a partir da alga?
Teríamos que ter acesso a números para ter uma ideia, mas, na minha opinião, não. Temos também questões relativas à estabilidade do produto, e embora não sejam ainda conhecidos números exactos, sabemos que existe um “tempo de prateleira” limitado. Nós podemos apanhar toda a alga na sua época de maior desenvolvimento, guardá-la em stock, e, no entanto, os primeiros lotes que seriam vendidos numa primeira fase nunca teriam a mesma qualidade que os lotes subsequentes.
Para além disso, aquilo que é conhecido hoje como sendo o método de processamento mais eficaz para aplicar a alga nas dietas dos animais é imensamente caro, sendo mesmo viável apenas a nível experimental.
Novos estudos estão a ser feitos actualmente para encontrar uma solução economicamente mais viável para uma possível comercialização futura. Neste momento, existem vários tipos de processamento possíveis, mas o que é mais eficaz é, de longe, a liofilização, um método de preservação que obriga a que a alga seja apanhada e congelada para depois ser processada.
O processo de liofilização é muito dispendioso, o que resulta num produto final muito caro, não sendo viável num produto complementar à ração animal, mesmo aplicado numa dose muito pequena.
Mas estamos confiantes no futuro, pois têm sido publicados novos estudos com base em diferentes métodos de processamento que permitem a extracção dos compostos de interesse das algas de forma mais viável, tanto a nível económico como logístico.
O que provoca interesse nesta alternativa para a redução da produção de metano pelo gado?
(…) O composto que mais se fala nesta questão da redução do metano chama-se bromofórmio, no entanto, acredita-se que o verdadeiro sucesso se deve à acção conjunta de uma série de metabolitos que actuam em sincronia com o bromofórmio no rúmen do gado bovino, resultando na redução das emissões de metano.
O papel do bromofórmio na redução do metano já é conhecido há muitos anos, sendo o mesmo vendido como um produto sintético e aplicado nas rações do gado para redução das emissões de metano. Entretanto, foi descoberto que era um produto cancerígeno, sendo então banida a sua comercialização.
A diferença neste caso é que este bromofórmio advém da própria composição da alga, sendo assim proveniente de uma fonte natural. A própria alga é misturada nas rações dos animais, na dosagem correcta, produzindo depois o seu efeito. Até hoje, não foram encontrados quaisquer efeitos secundários indesejados, daí o entusiasmo da comunidade científica.
Para além da redução de metano há também outros benefícios para o gado a partir do consumo da alga?
Sim, há um aumento da produtividade do animal. Se for um animal de engorda terá uma maior engorda, e há também um aumento na produtividade de leite. Para além disso, há também estudos que estão a focar-se no ponto em que a carne pode também ter uma nova textura e sabor que, alegam, será melhor. Ou seja, a carne que será proveniente destas explorações que utilizam esta alga nas suas rações teria um valor acrescentado, não só pela protecção ambiental, como também pela própria qualidade da carne, mas isto ainda está a ser estudado.
Estas notícias têm interessado os produtores locais nos Açores?
Sim, desde o início que os produtores mais atentos, tanto a nível regional como nacional, têm tido interesse. Também o público em geral prevê que se esta espécie (de alga) ocorre nos Açores, onde há um elevado número de gado bovino, temos aqui a solução ideal. Mas há ainda um longo caminho a percorrer, não só ao nível do processamento da alga, que é ainda muito caro para obter os resultados desejados, como também ainda está sob investigação ao nível da produção em grande escala e ainda não constitui um produto comercial finalizado e estável.
(…) Depois de descoberto o conceito, há pontos que têm que ser trabalhados e avaliados para serem considerados legais para a sua comercialização. No entanto, os produtores mais atentos conhecem-nos, mesmo a nível internacional, tendo entrado em contacto connosco para saber mais sobre este assunto de elevado interesse.
Há outros projectos nos quais estejam envolvidos neste momento e que sejam também importantes?
Temos um projecto sobre a mesma espécie relativamente a este âmbito da redução de metano, mas que vai tocar noutros pontos. Como há toda uma indústria em funcionamento, desde a apanha até ao transporte e processamento, o interesse deste projecto é medir a pegada de carbono de tudo isto.
Pretende-se estabelecer uma relação entre os benefícios de ter um produto que reduz o metano quando aplicado na dieta dos animais, com o que realmente se obtém ao nível da pegada carbónica que temos nesta actividade.
Todos os factores de interesse serão medidos, estudados e publicado através de um artigo científico bastante completo que alertará para a necessidade de encontrarmos novas formas de processamento da alga para que não seja tão negativamente afectada por estas condicionantes da pegada carbónica.
Fonte: Correio dos Açores