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Entrevista ao Conselho de Administração da Lotaçor

Entrevista ao Conselho de Administração da Lotaçor

Entrevista conjunta do Conselho de Administração da Lotaçor constituído pela Presidente Catarina Martins e pelos Vogais, Simão Neves e Nuno Rodrigues

Quais são as suas prioridades enquanto Presidente da Lotaçor num ano em que a empresa pública completa 40 anos da sua criação?
 Para o Conselho de Administração que agora iniciou funções, a Lotaçor é o pólo de desenvolvimento harmonioso da fileira, cumprindo o seu papel histórico e aproveitando a experiência dos seus recursos para criar as melhores condições para a produção, comercialização e transformação, e ajudar a valorizar mais o pescado dos Açores, orientados sempre pelos objetivos globais de desenvolvimento sustentável.
Nesta Missão do projeto 2021-2023 estão resumidas as prioridades desta Administração: pessoas, centralidade, transversalidade, cooperação e desenvolvimento da Fileira do Pescado dos Açores.
Só o desenvolvimento da Fileira do Pescado dos Açores possibilitará melhorar o rendimento de todos os intervenientes na mesma.
No fundo o interesse base de todos na fileira “É contribuir todos os dias para valorizar o pescado”.
Aqui aproveitamos para salientar que é muito importante que se trabalhe em valorizar o pescado e não na sua “valorização”.
A palavra “valorização” tem sido muito associada ao preço do pescado e isto é um conceito errado, em nossa opinião.
Valorizar algo é rentabilizar ao máximo a sua utilização, por exemplo aproveitando partes do peixe que hoje não são aproveitadas mas que se paga para destruir, dando novas utilizações ao pescado, desenvolvendo novas formas de o consumir, diminuindo as naturais percas das suas características e qualidades entre o momento em que sai do seu habitat natural, o oceano, e é consumido, melhorando as condições da cadeia de frio em todos os momentos em que o pescado passa do mar até chegar ao prato de quem o consome, ensinando as pessoas as melhores práticas.
Daí que concordamos com algo que lemos numa recente crónica no vosso jornal, “é preciso perceber para se conseguir valorizar”.

É fácil o diálogo entre pescadores, armadores, comerciantes de pescado e a indústria de peixe?
Nunca é fácil o diálogo entre tantas entidades com interesses e especificidades tão diferentes, apesar de fazerem parte da mesma fileira.
No entanto, o caminho é identificar e isolar os interesses comuns para trabalhá-los em conjunto, permitindo assim abrir circuitos de diálogo e estabelecer boas bases de relacionamento que depois se estendam para os restantes momentos.
 Neste aspeto, a Lotaçor é a entidade que através da sua centralidade, transversalidade, história e experiência diária, melhor se posiciona para ser a facilitadora e impulsionadora deste diálogo.
 Já começamos este trabalho, nomeadamente realizando uma reunião de início de mandato com a Federação das Pescas, com a APASA, com a Pão do Mar e com a ACPA, e tendo previstas reuniões específicas com todas as Associações durante as nossas visitas a cada ilha.
 
Há dias afirmou que, ao alienar-se 80% do capital da conserveira Santa Catarina, seria muito mais fácil a gestão da empresa pública Lotaçor. Quer explicar? Em que fase está o processo de alienação?
 O processo de alienação encontra-se exatamente na mesma fase em que foi deixado pela Administração e Governo Regional anterior, ou seja, na base que foi publicada na Resolução do Conselho do Governo n.º 74/2018 de 20 de junho de 2018, que previa a alienação de 80%.
Aliás esta é a informação que nos foi deixada na pasta de transição pela anterior Administração.  
Mas mais importante do que esta discussão, é o ser fundamental criar as melhores e indispensáveis condições para a Santa Catarina poder aceder a Fundos Comunitários para realizar os investimentos que a própria Administração da Santa Catarina assume como sendo cruciais para a sua atividade não só por questões de segurança, condições de trabalho dos seus colaboradores, de eficiência, mas também por razões ambientais e de cumprimento de novas leis e regras.
 
Neste momento, a Santa Catarina absorve “cerca de metade dos custos financeiros” da Lotaçor, ou seja, cerca de 17 milhões de euros “o que representa mais de 50% do endividamento financeiro da Lotaçor”. Isto, além da empresa que gere as lotas dos Açores ter concedido também avales a operações de financiamento da conserveira no valor de mais de 7 milhões de euros. Como faz a gestão deste passivo?
A gestão do passivo da Lotaçor far-se-á não só através da rentabilização da gestão dos recursos que dispõe para gerar o máximo de rendimento das suas atividades, que lhe permita desenvolver as parcerias e estabelecer os contratos necessários para aceder às fontes de financiamento que necessitar, mas também através da constante busca por novas oportunidades de negócio e de envolvimento em parcerias que potenciem o alcance da sua centralidade e transversalidade.
 
Quais são as consequências para a industria conserveira da Região o facto de a Lotaçor ser a detentora da indústria conserveira Santa Catarina? Não haverá, nesse caso, um conflito concorrencial com a indústria privada?
 O trabalho que a Santa Catarina tem feito de divulgação do atum dos Açores junto de nichos e novos mercados traduz-se numa mais-valia para toda a indústria conserveira da Região, ajudando a complementar o excelente trabalho que todas tem feito junto dos seus mercados.
 Entre os prós e contras da situação que refere, pensamos que as conserveiras percebem que o facto da Lotaçor deter uma indústria da sua área de atividade permite-lhe estar mais ciente das necessidades e desafios que a indústria tem para desenvolver a sua atividade na operação diária da Lotaçor.
 No entanto, e não querendo fugir à pergunta direta, naturalmente este deve ter sido um dos factos que deve ter pesado na decisão do Governo anterior transcrita na Resolução do Conselho do Governo n.º 74/2018 de 20 de junho de 2018.
 
A Lotaçor tem participação no capital social de outras indústrias conserveiras?
Não. Já teve na Cofaco, mas foi vendida em 2005.
 
Falou na necessidade um acordo tripartido – Governo, Lotaçor e Santa Catarina – para o saneamento da dívida da conserveira “para sermos ressarcidos dos valores que estão em dívida da Santa Catarina à Lotaçor”. Quais as linhas deste acordo?
Permitam-nos efetuar uma correção à formulação da pergunta. Este Conselho de Administração não falou em necessidade de um acordo, porque este acordo já existe desde 2013 e foi assinado pelas Administrações anteriores, da Lotaçor e de Santa Catarina, e pela Região Autónoma dos Açores.
 Aliás, como também se pode ler nas notas do Anexo às Demonstrações Financeiras em 31 de dezembro de 2019 e 2018, parte integrante dos Relatórios e Contas de 2019.
 As linhas deste acordo serão discutidas oportunamente entre a Administração da Lotaçor e as respetivas tutelas.
   
 Está projetada a requalificação da rede de frio da Lotaçor. Como se fará esta requalificação e qual o valor previsto para esse investimento?
 Neste momento está em curso a obra no Entreposto do Faial, cujo término está previsto para setembro 2021, tendo-se iniciado as obras no Entreposto de Santa Maria no final do ano 2020, com um prazo de 14 meses e previsão de conclusão janeiro 2022.
 Seguir-se-á a obra de Requalificação do Entreposto da Madalena, que orça em cerca de 6 milhões de euros.
 Estas são infraestruturas de crucial importância para toda a fileira do pescado, sujeitas a um enorme desgaste, não só derivado da sua intensiva utilização, mas também da sua localização, normalmente, muito próxima de zonas sujeitas ao efeito das consequência do mar e ambiente propício à oxidação.
 Mas o investimento não se prende somente com a parte de infraestrutura e de equipamentos, mas também da qualificação de recursos humanos certificados para trabalhar com esta rede.
 
Outro dos desafios da Lotaçor é a formação profissional, não só para os trabalhadores da Lotaçor, como para todos aqueles que fazem parte da fileira do pescado, de modo a garantir uma melhor conservação e manutenção da qualidade do pescado e contribuir desse modo para a valorização do produto. Como conseguirá atingir este objetivo?
A Lotaçor tem uma necessidade constante de formação, não só para cumprimento das obrigações legais, como também para adaptação às alterações da legislação e regras, mas também para ajudar no desenvolvimento pessoal de cada um dos seus colaboradores, aquele que é o seu maior património intangível.
 Já estamos a trabalhar em várias frentes quer interna, quer externamente, não só com recursos aos técnicos qualificados que temos, como também a parcerias e protocolos com instituições da Região, de entre as quais a Escola do Mar.
 Sempre que possível todo o trabalho que fizermos nesta área da formação será extensível a todos os interessados da Fileira do Pescado, que no entanto também terão que assumir as suas responsabilidades e fazer a sua parte no que diz respeito aos seus recursos humanos, porque cada um tem as suas especificidades e necessidades que ninguém melhor do que eles próprios saberão quais são.
 É importante que todos percebam que a qualidade do Pescado não se trabalha a partir do momento que entra na Lotaçor, mas sim a partir do momento em que sai do seu habitat natural, a água do mar.
 
A Lotaçor nasceu em 1981 com o objetivo de organizar a fileira da pesca nos Açores, que tinha sido desmantelada depois do 25 de Abril, com a desagregação do serviço de lotas e vendagens. São competências da Lotaçor a realização de todas as operações de primeira venda do pescado e controle do cumprimento das disposições legais referentes a esta matéria, assim como a exploração das instalações e equipamento frigoríficos destinados à congelação, conservação, distribuição e comercialização do pescado. Como se processam as operações de primeira venda do pescado e como se consegue controlar as distorções que existem entre o preço da primeira venda e depois o preço a que o pescado chega ao consumidor regional?
 A operação da Lotaçor na primeira venda do pescado tem como preocupação base garantir que as condições do peixe que lhe é entregue para ser efetuado o leilão, não se alteram significativamente até serem entregues a quem o comprar.
 É importante que se perceba algumas coisas neste processo:
 A responsabilidade da classificação e calibração do pescado para o leilão é do dono do pescado, ou seja, é do armador;
 Em cada minuto que o peixe está fora do seu habitat natural, a água do mar, ele perde características. O que cada interveniente tem a fazer é criar condições para que esta perda seja minimizada o máximo possível, enquanto está na sua posse e até ser consumido.
 Falando especificamente no que é referido como “distorções que existem entre o preço da primeira venda e depois o preço a que o pescado chega ao consumidor regional” antes de mais é fundamental que esta análise seja efetuada com bases técnicas corretas.
Não se pode comparar um preço médio de todos os calibres, com um preço de venda de um único calibre.
Não se pode comparar um preço de venda em lota sem taxas e sem IVA com um preço de venda com IVA.
 Por outro lado, é muito importante efetuar uma análise crua dos componentes que formam o preço de venda ao consumidor, quais os de contexto e quais os derivados do cumprimento de todas as normas legais e regulamentares que quem vende pescado, e produtos alimentares em geral, é obrigado a cumprir.
Com isto não estamos a avaliar se há ou não distorções, mas somente a alertar que muitas vezes há análises que deveriam ser mais cuidadas e que levam a interpretações, estas sim, talvez distorcidas.
Por outro lado, hoje em dia o armador já é muito conhecedor dos preços a que está a ser negociado o pescado e, inclusivamente, ele próprio sabe como negociar através dos contratos de abastecimento direto.
Portanto, à Lotaçor não cabe intervir no preço, sendo esta uma das responsabilidades das Organizações de Produtores (OP’s).
Outro especto muito importante que contribuirá para o rendimento de toda a fileira é o mercado paralelo.
Será fundamental colaborar com entidades como a Inspeção Regional das Pescas, as Associações, a Federação das Pescas dos Açores e a ACPA-Associação dos Comerciantes do Pescado dos Açores, entre outras, num projeto que podemos denominar Compre Peixe Legal.
Este projeto é muito importante por questões de sustentabilidade ambiental, gestão de recursos pesqueiros, do desenvolvimento dos profissionais da pesca e passará muito por uma mudança cultural que sensibilize quem compra peixe à porta que há regras importantes a cumprir, como pedir fatura, ter atenção aos tamanhos mínimos e aos períodos de defeso em que não se pode apanhar determinadas espécies.
 
A política seguida quanto à pesca assenta na valorização do pescado através da qualidade, e com isso aumentar o rendimento dos pescadores que são os mais sacrificados na fileira do pescado. Se este é um princípio que se compreende, já custa a aceitar-se que o rendimento dos pescadores continue baixo, enquanto o valor de venda do peixe é alto, e o consumidor já não consegue comprar peixe de acordo com o salário que aufere. Afinal, quem é que lucra mais na fileira do pescado com a liberalização pura e dura que está em vigor nos últimos cinco anos, os armadores ou os comerciantes, já que os pescadores não são?
 Este tema da distribuição do rendimento na fileira do pescado e do rendimento do pescador, é um tema que consideramos dever merecer um estudo exaustivo e profundo, por forma a que seja percebido de uma vez por todas a sua realidade, sem dogmas, tabus e sem ideias base pré-concebidas.
Cremos que existem os mecanismos e entidades certas, tecnicamente capazes e disponíveis para o fazer, e a Lotaçor naturalmente que está disponível para colaborar naquilo que for possível.
Pelo menos de uma parte da fileira significativa da fileira é fácil apurar a realidade, uma vez que as empresas são obrigadas a apresentar e publicar contas anualmente.

 Será que existe um mercado regional do pescado entre todas as ilhas?
A Lotaçor opera diariamente em todas as ilhas dos Açores, efetuando leilão de pescado.
Lidamos com todo o tipo de empresa que quer adquire pescado nos leilões diários, quer realiza contratos de abastecimento direto.
Os compradores vão desde os próprios pescadores, até clientes internacionais através do leilão online, passando por pequenos vendedores ambulantes, peixarias, restaurantes, hotéis, exportadores, fornecedores de pescado do mercado regional e até grandes superfícies.
Temos conhecimento que diariamente são movimentados inter-ilhas bastantes quilos de pescado, quer de avião, quer de barco, uma vez que tentamos compatibilizar as próprias horas do leilão em cada ilha com os horários dos voos, por forma a permitir que o pescado saia no mesmo dia em que vai à lota.
Aliás, na recente entrevista que deu o Presidente do Conselho de Administração da SATA Air Açores é referido que no plano de reestruturação da companhia está inscrito como possibilidade o aumento da frota de 6 para 7 aviões, sendo este sétimo dedicado à carga.
 
Se cada ilha faz a exportação ponto a ponto, não é chegado o momento de começar a pensar-se na criação de uma rede comercial que permita que o peixe pescado na Graciosa, no Pico e Faial, em São Jorge e nas Flores possa chegar à Terceira e São Miguel para ser comercializado nessas Ilhas que compõem 2/3 da população dos Açores?
Do que temos conhecimento, através do contacto diário com todos os membros da fileira do pescado, isto já acontece.

A Lotaçor nasceu em 1981 para organizar a fileira da pesca nos Açores que tinha sido desmantelada depois do 25 de Abril e com a desagregação do serviço de lotas e vendagens. Como pensa assinalar os quarenta anos da Lotaçor?
 Este é um dos projetos que iremos dar agora início, mas que, ponto assente, envolverá na sua preparação e organização aquele que é o nosso maior ativo intangível, os nossos colaboradores.
A Lotaçor, mais do que as instalações, máquinas e equipamentos, que tem nos seus registos, é as pessoas, quer internas, quer as com que diariamente se relaciona e é com estas e para estas que serão direcionados os eventos a realizar para assinalar esta data tão importante na vida de uma organização.
 
Com a experiência de gestão e do conhecimento que tem da Lotaçor, o que espera da empresa para a próxima década? Que mensagem deixa a todos os elementos que compõem a fileira do pescado nos Açores e o que podem esperar da sua gestão que agora começa como primeira responsável da Lotaçor?
 Este Conselho de Administração quer manifestar apreensão com a situação pandémica atual em que vivemos, mais um forte desafio para a gestão da Lotaçor, com reflexos diretos e indiretos, de constante incerteza para saúde dos seus trabalhadores e familiares e de toda a fileira do pescado, com consequências que poderão ser muito graves para a atividade da empresa, e para a sua situação económico-financeira.
 Por tudo o que referimos nesta entrevista, este é, para nós, um desafio muito aliciante, especialmente, no ano em que a Lotaçor faz 40 anos e para o qual pretende-se que toda a equipa esteja altamente focada e motivada, pois tem muito e perfeito conhecimento de toda a Fileira do Pescado.
 Assim, é fundamental no exercício da nossa atividade, atuarmos, diária e constantemente, com o intuito de manter e gerar uma boa saúde financeira, que passará pela resolução do dossier Santa Catarina, as condições para cumprir e solver rigorosamente os compromissos assumidos e garantir capacidade de endividamento, condições base para gerar a confiança quer do acionista quer das entidades parceiras chave, nomeadamente as fontes de financiamento, e fundamentais para conseguir efetuar os investimentos necessários, mas acima de tudo, para cumprir a Missão que nos propusemos.
Na próxima década o que esperamos é que a Lotaçor assuma ainda mais o seu papel central e transversal na Fileira do Pescado dos Açores, ajudando em todo o necessário e fundamental desenvolvimento que a economia do mar tem como potencial.
Todos os trabalhadores, toda Fileira e demais entidades e organizações açorianas podem contar com a cooperação desta Administração para ajudar no desenvolvimento não só da Fileira, mas também dos Açores.
Como mensagem final, podem contar com a Lotaçor todos os dias para ajudar a valorizar mais o Pescado dos Açores.

Fonte: Correio dos Açores

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