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Especialistas defendem que os portos açorianos devem ser explorados por operadores privados com a supervisão da ‘Portos dos Açores’

Especialistas defendem que os portos açorianos devem ser explorados por operadores privados com a supervisão da ‘Portos dos Açores’

O Governo dos Açores pediu à Autoridade da Concorrência explicações sobre um estudo elaborado por aquela entidade que subalterniza os portos dos Açores e Madeira em relação aos portos de Portugal continental.

Na caracterização dos portos portugueses, realça-se que o sistema portuário do Continente é constituído por nove portos comerciais, cinco dos quais constituem o designado sistema portuário principal – portos de Leixões, Aveiro, Lisboa, Setúbal e Sines –, e os restantes quatro integram o designado sistema portuário secundário – Viana do Castelo, Figueira da Foz, Faro e Portimão.

A maioria destes portos (Leixões, Aveiro, Lisboa, Setúbal, Sines e Portimão) integra a Rede Transeuropeia de Transportes (RTE-T), nomeadamente no corredor multimodal principal que liga Lisboa a Estrasburgo (Corredor Atlântico), estando prevista a integração dos três maiores portos – Sines, Leixões e Lisboa – como nós da rede principal (rede core).

A Rede Transeuropeia de Transportes, segundo o estudo, integra ainda – já num terceiro nível de importância – sete portos das Regiões Autónomas, ficando quatro deles localizados nos Açores (Portos de Ponta Delgada, Horta, Flores e Praia da Vitória – estabelecidos por esta ordem) e os restantes três na Madeira (Funchal, Porto Santo e Caniçal).

Segundo o estudo, a fachada atlântica da Península Ibérica, onde se localizam os principais portos marítimos nacionais, posiciona-se no cruzamento das principais rotas de tráfego marítimo Norte-Sul e Oeste-Este, beneficiando de um tráfego crescente, sobretudo ao nível de carga contentorizada e, na medida em que se encontra no referido cruzamento das rotas Norte-Sul e Oeste-Este, também ao nível do transbordo de contentores.

Constata o estudo que o movimento de contentores tem vindo a aumentar de forma acentuada nos portos do Continente, tendo-se verificado, no período entre 2010 e 2013, um crescimento médio anual da carga contentorizada na ordem dos 15% (em TEUs) no conjunto dos portos do Continente. Este aumento é explicado pelo crescimento observado no porto de Leixões (na ordem dos 9% ao ano) e, sobretudo, pelo enorme crescimento verificado no porto de Sines (na ordem dos 35,3% ao ano). Saliente-se ainda que, no respeitante ao principal porto nacional de águas profundas – porto de Sines –, mais de 3/4 dos movimentos de contentores aí registados correspondem a transhipment. Isto é, dos 931.036 TEUs de carga contentorizada movimentada no porto de Sines, em 2013, os movimentos de transhipment envolveram 723.036 TEUs, ou seja, cerca de 78% de toda a carga contentorizada.

Toda esta questão é de interesse relevante para os Açores na medida em que uma das bandeiras das campanhas eleitorais tem sido a valorização do porto da Praia da Vitória como infra-estrutura portuária para utilização de grandes navios e de transbordo de contentores, constituindo-se como um entreposto na ligação entre os continentes americano e europeu. Ora, no estudo da Autoridade da Concorrência, como se pode ver no quadro que faz parte desta reportagem, o porto da Praia da Vitória é como se não existisse e quem está a ganhar grande importância é o porto de Sines.

 

Porque são desvalorizados os portos açorianos?

Este estudo, que define uma série de recomendações às administrações portuárias, foi colocado à discussão pública pela Autoridade da Concorrência e só agora chegou ao conhecimento do Governo Regional dos Açores.

Há especialistas portuários que manifestam grande estranheza e até consideram “inadmissível” que um estudo sobre o sistema portuário português não valorize um futuro desempenho do porto da Praia da Vitória na Rede Transeuropeia de Transportes, sobretudo na ‘East-West route’ que cruza o Atlântico entre a América do Norte e o Sul de Portugal entrando pelo Mediterrâneo.

Mas outros especialistas dizem até “compreender” a desvalorização dos portos açorianos no Estudo, posto a discussão pública pela Autoridade da Concorrência. Concluem estes especialistas que essa “(des)qualificação” dos portos açorianos a nível nacional “se deve, especialmente, à situação única no país no que diz respeito à organização do sistema portuário na Região Autónoma dos Açores”.

De facto, realçam, os portos açorianos “têm a singularidade de estarem organizados, no que diz respeito ao trabalho portuário, em Empresas de Estiva (OPERPDL, OPERTERCEIRA e OPERTRI) ao contrário da organização presente no Continente e na Região Autónoma da Madeira, com Operadores Portuários”.

Reforma, a propósito, que “na Europa, e no mundo, a adopção de Operadores Portuários é a prática seguida”.

Quando questionados sobre quais as diferenças, a resposta é que “são muitas e substanciais”.

Explicam que os Operadores Portuários são formados por concessões territoriais e materiais pela Autoridade Portuária, neste caso a empresa pública ‘Portos dos Açores’.

Essas concessões são materializadas por concursos públicos com prazos não inferiores a 15 anos e até há concessões a 30, 40 e 45 anos.

No entender dos especialistas contactados pelo ‘Correio dos Açores’, “devem ser empresas independentes, não participadas por Empresas Públicas, cuja organização implica a existência de Directores Técnicos, com meios próprios de movimentação de cargas e pessoal devidamente habilitado” que devem gerir o dia-a-dia dos portos da Região.

Estas empresas “devem seguir a Lei do Trabalho Portuário em vigor no país para além do respeito estrito pela segurança e boas práticas no serviço prestado aos seus clientes, quer na qualidade quer no preço”.

Neste enquadramento, à Autoridade Portuária (a empresa ‘Portos dos Açores’) “cabe, tão somente, a atracação e desatracação dos navios, a pedido da concessionária, para além de supervisionar a segurança”.

 

‘Portos dos Açores’ compra gruas desadequadas”

Realçam os especialistas que “desde há vários anos que esta questão está em discussão nos corredores do poder, nos Açores, sem que, por parte das autoridades regionais haja qualquer reacção e/ou interacção”.

Afirmam os especialistas contactados pelo ‘Correio dos Açores’ que a empresa ‘Portos dos Açores’ “continua a participar nas Empresas de Estiva (20% em cada uma), a adquirir gruas e empilhadores, muitas vezes desadequados ao serviço a que se destinam, com uma manutenção pouco eficiente, para além de manterem os seus próprios funcionários na operação dessas máquinas”.

Questionam as nossas fontes de informação até quando se vai manter esta situação e com que interesses? “Todos estamos conscientes”, respondem, que “a actividade empresarial privada tem mais empreendedorismo, para além da introdução de novas formas de gestão e inovação nas actividades que levam a cabo”.

Acabam por deixar, a propósito, uma questão: “Será que o Governo dos Açores, sobretudo através da Secretaria Regional dos Transportes, são insensíveis e/ou mal aconselhados quanto a esta realidade?”

Entendem que esta problemática, em sequência ao estudo agora posto à discussão pela Autoridade da Concorrência, “deveria ser lançada em termos de discussão pública nos Açores. Porque não?”, perguntam.

Acreditam estes especialistas que, se o Governo dos Açores abrir a exploração alguns dos portos açorianos à iniciativa privada, “haveria certamente quem tivesse interesse em explorar no enquadramento das regras estabelecidas a nível nacional num espírito de concorrência aberta, sem privilegiar nenhum dos operadores mas sim quem oferecesse as melhores condições”.

 

Recomendações da Autoridade da Concorrência

A Autoridade da Concorrência identificou vários constrangimentos à concorrência que afectam o sector portuário nacional, destacando-se a elevada concentração da estrutura de oferta que caracteriza o sector, os riscos de congestionamento que afectam vários terminais portuários, as restrições de acesso à prestação da maioria dos serviços portuários, bem como os riscos de discriminação no acesso às infra-estruturas portuárias por determinados operadores económicos.

Destaca-se, igualmente, como um dos problemas que afecta o sector portuário nacional, “a ausência de uma clara separação entre a actividade regulatória, a actividade de administração portuária e, nalguns casos, as próprias actividades comerciais de operação de terminais e de prestação de serviços portuários.

A Autoridade da Concorrência propõe um conjunto de recomendações que “visam ultrapassar os constrangimentos identificados e, dessa forma, contribuir para o reforço da eficiência e da qualidade de funcionamento dos portos nacionais, potenciando o seu contributo para a competitividade nacional”.

No contexto da liberalização do acesso aos mercados de serviços portuários, as recomendações da Autoridade de Concorrência vão no sentido da “implementação de uma clara separação entre a actividade regulatória, a actividade de administração portuária e as actividades comerciais de operação de terminais e de prestação de serviços portuário”.

Defende a “implementação efectiva do regulador sectorial, a Autoridade de Mobilidade e dos Transportes (AMT)”.

Faz outras recomendações que não se podem ainda aplicar nos portos açorianos dada a singularidade da sua exploração.

Foto: © Miguel Nóia

Fonte: João Paz / Correio dos Açores

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