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Jorge Gonçalves, Presidente da APEDA: “Quem trabalha correcta e honestamente tem uma vida bastante aceitável na pesca”

Jorge Gonçalves, Presidente da APEDA: “Quem trabalha correcta e honestamente tem uma vida bastante aceitável na pesca”

Correio dos Açores – Como estão a viver armadores e pescadores dos Açores?
Jorge Gonçalves (Associação de Produtores de Espécies Demersais dos Açores) – Estão a viver, como têm vivido até aqui, trabalhando, neste momento com muito mais dificuldades, tendendo à pandemia, atendendo às situações das quotas que existem implementadas, a proibição da pesca do alfoncim e a captura só de 5% do Imperador. Várias embarcações que são nossas associadas estão numa situação muito difícil. São embarcações de pequeno porte e iam começar a implementar uma pescaria dirigida ao imperador e que se viram praticamente inibidas de exercer a actividade. Uma destas embarcações para desembarcar em lota cinco quilos de imperador, tem de desembarcar 100 quilos de outra espécie. E, para embarcações pequenas, isto não é simples.
Os nossos cerca de 50 armadores vão trabalhando, vivendo com bastantes dificuldades, como em todos os sectores de actividade.

CA – A agravar esta situação as embarcações têm ido à pesca e não têm encontrado goraz…
JG – O goraz tem sido pouco. Não tem havido muita abundância. Neste momento, as embarcações deviam estar a apanhar muito mais goraz. Vai-se apanhando algum, muito pouco, mas muito à base de peixão. Estará a evidenciar-se aqui alguma situação de problemática no recurso, mas esta é uma questão que tem de ser estudada por quem de direito.
As pessoas precisam de ter a consciência do que é o sector. É porque, também, passa-se uma imagem péssima de os coitadinhos. E o sector pode, em algumas ilhas, ter muitas dificuldades e ter problemas complexos. Mas, as pescas não são só problemas, também têm coisas boas. Há ilhas que vivem da pesca e vivem muito bem. As dificuldades da pandemia também passam por estas empresas, mas a pesca não é só problemas como eu às vezes ouço e custa tanto a ouvir.

CA – O que quer dizer quando afirma que se vive bem da pesca em algumas ilhas?
JG – Eu quando digo que se vive bem da pesca em algumas ilhas, quero dizer que nem tudo são problemas. Eu falo da Graciosa, eu falo das Flores, eu falo do Faial, falo, se calhar, também do Pico, onde a pesca é exercida de uma forma um pouco diferente do que em São Miguel ou no porto de São Mateus, na ilha Terceira. Mas, no porto de São Mateus, também já há empresas a trabalhar muito bem.
Quem trabalha correcta e honestamente tem uma vida bastante aceitável na pesca. Ninguém tira fortunas da pesca porque, se fosse assim, toda a gente já estava rica. O sector tem, neste momento, pujança e vive-se bem.  
Tal como nos outros sectores, há empresas na pesca que funcionam bem e outras que funcionem muito bem e até outras que funcionam mal. Por haver três a quatro empresas que, numa ilha, que não funcionem bem, não quer dizer que todas estejam a funcional mal. Até pelo contrário.

CA – A maioria das empresas que vivem da pesca no Grupo Central do arquipélago funciona bem?
JG – Para ter uma noção do sector, os pescadores vivem do rendimento da pesca, do peixe que capturam, do valor deste produto que vendem em lota com preços que têm variações, atendo à lei da oferta e da procura do mercado.
Vamos imaginar que uma embarcação vai ao mar e ganha, numa semana, mil euros. Se estes mil euros são a dividir por três pessoas, numa semana cada homem recebe um pouco mais de 300 euros. Mas se este valor for a dividir por 10 pessoas, cada uma só recebe 30 euros. E são estes problemas que, às vezes, se passam em algumas zonas onde existe embarcações com gente a mais. É nestas zonas que começa a haver problemas, dizendo-se que as pessoas ganham pouco. Mas, se calhar, cada embarcação não precisa ter 15 a 20 homens num barco.

CA – Acredita nos contratos entre armadores e pescadores?
JG – Eu vou ser correcto e espero que também transmita as coisas correctamente. Os contratos são um mero formalismo de uma relação entre duas pessoas ou entre uma instituição e uma pessoa, que é um trabalhador. Se estas pessoas agem de boa fé, claro que eu devo acreditar nos contratos. Eu tenho contratos na minha empresa desde que ela existe porque éramos obrigado no Faial a ter contratos de trabalho com os trabalhadores.
Outra coisa é saber se a legislação se cumpre ou não. Esta é uma outra situação. Mas aquilo a que quer chegar – e eu posso responder – é que eu acredito nos contratos de trabalho, entendo que os contratos de trabalho são um bom regulador para fazer alguma regulação entre a entidade patronal de responsabilidade para com o trabalhador. Porque aquilo que neste momento acontece é que um trabalhador entra para uma empresa, só tem direitos e, a qualquer momento, vai-se embora, não se preocupa se a empresa fica parada, se não fica. Portanto, existe aqui uma data de situações de que os contratos de trabalho são um benefício. Vem dar responsabilidade à empresa e ao trabalhador, coisa que não existia anteriormente.
Mas a legislação é muito clara. A legislação geral a bordo das embarcações já existe desde 1987 e diz que, ao fim de 60 dias, se não houver um vínculo laboral, aplica-se a lei geral do trabalho. E a pessoa passa a efectivo na empresa.
Portanto, estas situações de as pessoas dizerem que acreditam ou que não acreditam nos contratos do trabalho e que os contratos são bons ou não são bons, isso é uma falácia. E porquê? Porque se houver um vínculo laboral entre a empresa e o trabalhador, isso facilita muito mais a situação laboral, a resolução dos problemas. Este vinculo acaba, por força de lei, por se aplicar.
Portanto, esta questão sobre se eu acredito nos contratos de trabalho ou não, isso é uma coisa que tenho dito em vários fóruns em que sou solicitado para falar sobre esta questão ou outros assuntos, o que tenho dito é que esta é uma falsa questão. Os contratos de trabalho são essenciais para regular o vínculo laboral. É criada uma relação entre o trabalhador e a empresa, para facilitar a vida a ambas as partes e não mais do que isso tal como outra empresa qualquer.
Pois, há que ter em atenção outras coisas: saber se as pessoas cumprem ou não…

CA – E a questão dos quinhões a bordo das embarcações de pesca. A situação do armador ficar com vários quinhões e distribuir o restante pelos pescadores…
JG – Lá está. É se, por acaso, houvesse o tal vínculo laboral , o tal contrato de trabalho, a pessoa antes de assinar o contracto, via qual eram as cláusulas  que lá estavam e aceitavam ou não aceitavam, assinando ou não assinando o contrato. Ora, não havendo o contrato, o armador cumpre com o que está na lei ou, então, faz aquilo que lhe dá na gana fazer, que é um pouco isso que me está a dizer: É uma parte para o motor, é uma parte para o barco, para aqui, para ali e para acolá. Agora, uma coisa é certa, existem várias formas de se fazer contas na pesca em várias ilhas. Mas as coisas têm de ser sérias de uma forma ou de outra. O que quero dizer é que uma pessoa que tem uma empresa deve preocupar-se também com os seus trabalhadores e não deve aldrabar-lhes, não deve criar situações que não são as mais correctas.
Em algumas ilhas, as contas são feitas por percentagens e não por quinhão.  Vamos regressar aos mil euros ganhos numa semana por uma embarcação com três pessoas.  São deduzidas as despesas normais, do combustível, do isco, da alimentação e só depois cabe uma percentagem aos trabalhadores e a percentagem que cabe ao armador para apetrechos (tudo o que é responsabilidade de uma empresa).

CA – A questão do preço vendido em lota e colocado, depois no consumo. Em algumas ilhas o pescador ganha menos que o intermediário…
JG – Não sou comprador de peixe. Sou armador de pesca. Tenho uma embarcação, sou responsável por uma associação de produtores e não me caberá a mim estar a comentar outras situações da actividade.
Agora, deixe-me dizer uma coisa: Eu também já fui intermediário na venda de pescado. Em tudo na vida há pessoas sérias e pessoas menos sérias. E o que regula o preço é a oferta e a procura. Se existe muita oferta e pouca procura, o preço baixa. Se existe pouca oferta e muita procura, o preço aumenta.
Se, de facto, o intermediário ganha mais do que o pescador, eu não sei se, no contexto geral, será bem assim. Acredito que, muitas das vezes, ganhará mais. Mas também acredito que, em muitas outras vezes, ganhará menos.
O que costumo dizer é que, num ramo de negócio, para as pessoas terem sucesso, o negócio tem de ser bom para as duas partes.  Se o negócio do peixe fosse tão bom, tão bom,  e as pessoas ganhassem tanto dinheiro (é verdade que há pessoas que ostentam Mercedes, Ferraris, casas, ‘n’ coisas – não sou a pessoa mais abalizada para dizer que isto é do negócio do peixe. Não faço a mínima ideia). Mas também é só para lhe dizer que se o negócio fosse assim tão bom, haveria muito mais compradores na Região e nós não temos tantos compradores na Região quanto isso.
Portanto, acredito que o negócio do peixe é bom. Acredito que sim porque, senão, a maioria das pessoas já tinha fechado as portas. Mas também não será tão bom quanto isso. Vejo  várias situações no dia a dia e as situações não são tão liniares quanto isso. Conheço vários mercados, conheço como funcionam as coisas e, por vezes, as coisas não são tão lineares como se possa pensar.
Vamos imaginar que aquele peixe é vendido em lota a 5 euros e chegamos ao mercado e vemos a vendê-lo a 10 euros. Se calhar é um exagero. Acredito que sim, que é um exagero. Mas, como já lhe disse, há gente correcta, séria e que aplica as margens que são as normais. Agora, se perguntar qual a margem que existe neste momento, a venda do pescado está livre. E as pessoas aplicam as margens que entendem aplicar em função das regras.

CA – Compensa ser armador e pescador nos Açores?
JG – Posso responder-lhe por mim. Se não compensasse, já não tinha embarcação. Agora, cada vez é mais difícil, cada vez é mais complicado, por restrições da União Europeia, por dificuldades das quotas, que são impostas pela União Europeia. Cada vez mais existe menos recursos. Há mais dificuldade em vender o produto. Esta pandemia veio complicar muito a vida às pessoas. . Não há turismo…
Digo sinceramente que a situação não é fácil. Não é boa, mas quem trabalha, quem gosta, acho que ainda é rentável.  É a minha opinião.

CA – Se um filho seu dissesse que queria ser pescador, incentivava-o?
JG – Tenho um filho e tenho uma filha. E foi dado por mim e pela pessoa com quem eu vivo a oportunidade de eles seguirem a sua vida. Saí de casa de meus pais para trabalhar aos 14 anos.  E enveredei pela área da pesca.  Meu pai já era pescador mas não fui obrigado pelo meu pai a seguir esta profissão. E assim como meu pai não me obrigou, não tenho intenção de obrigar os meus filhos a serem pescadores.  Colaboro com eles, ajudo-os naquilo que é necessário eu ajudar para eles seguirem as suas carreiras, as suas vocações.
Se eles entenderem que, eventualmente, o mar, a pesca pode ser importante para eles, eu estou cá para ajudá-los e fazer tudo, como farei em outro ramo de actividade que pretendam seguir para que possam ser felizes. Não tenho por hábito impingir o que quer que seja.
Se me perguntar se gostava que eles fossem pescadores? No actual momento, não gostaria. E não gostaria pelas várias contingências que existem, neste momento, na política de pescas.  
Não existe política de pescas e o sector está a atravessar um momento difícil. Mas estes são momentos. E o que eu estou a dizer é que o sector da pesca tem de ter regras. O sector da pesca deve ter uma política e não deve ter uma política a curto prazo. Deve ser a curto, médio e longo prazo, definindo estratégias, linhas orientadoras. Proporcionando um futuro que faça com que os jovens, vendo que o sector tem futuro, tem uma perspectiva, o vão seguir. E, neste contexto, sim, gostaria muito que os meus filhos pudessem seguir o seu pai, mas nunca por obrigação ou imposição. Sim, por vontade própria deles.

CA – A pesca levada a sério, de forma honesta, é rentável?
JG – É rentável, sim senhor. E é uma boa fonte de vida. É uma boa profissão. É uma profissão difícil, passa-se muitos dias no mar que não se passa com a família. É uma profissão em que se trabalha com mau tempo. Há dias em que se alimentam mal com a agitação do mar. é difícil descansar, dormir, embora nós nos habituemos a isso. É uma vida difícil, mas é uma vida que vale a pena porque é sadia, ganha-se razoavelmente bem, leva-se bom peixe para alimentar as nossas famílias. Tem-se uma vida ao nível da Segurança Social que é aceitável.
Penso que, neste momento, estão reunidas todas as condições para que eu possa dizer que, de facto, quem vive a pesca a sério, é uma actividade que tem um futuro excelente.

Fonte: Correio dos Açores

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