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2 – Atum rabilho, esse tesouro que nos tem passado ao lado // por Valdemar Oliveira

2 – Atum rabilho, esse tesouro que nos tem passado ao lado // por Valdemar Oliveira

Como disse quando abordei este tema, no meu último artigo, a questão da captura e venda de atum para os mercados sushi, não sendo um bicho de 7 cabeças é, no entanto, uma tarefa que requer bastante saber, muita calma e ponderação, assim como um absoluto respeito por aquelas que são as regras que se jogam nos mercados sushi mundiais.

Para além daquelas grandes questões existe, ainda, a obrigatoriedade de se saber o essencial sobre a biologia dos atuns para que se possa pescá-los com eficácia, prepará-los a contente como é exigido nos mercados compradores e, finalmente, dar-lhes a preparação adequada e a rapidez que têm que ter para chegarem aos mercados de consumo no seu melhor estado sanitário e aspecto.

Por tudo aquilo que aqui foi dito, a pessoa encarregada a bordo de seleccionar os indivíduos para serem sangrados e preparados como potenciais peixes de alta qualidade, deverá ter competência para o fazer. Contudo, para além dessa competência, tem obrigação de ter a noção do seu aproximado teor de gordura, a cor da sua carne e, ainda, se aquela unidade terá um valor de venda que compense os altos custos do seu transporte para os distantes mercados de sushi.

Em face disso, uma das principais regras para o sucesso do negócio do atum para consumo em cru, reside essencialmente naquilo que temos que forçosamente saber sobre a sua biologia e sobre os seus importantes índices de gordura, cor e frescura, daí ser muito importante a sua classificação antes de ser exportado para que não se gaste um rio de dinheiro em transportes e embalagens, num peixe que por não ter qualidade é posto no lixo no seu destino.

Os atuns são, quiçá, os maiores consumidores de energia no reino animal, sendo por isso equipados com majestosos músculos que necessitam de uma oxigenação enorme, para trabalharem convenientemente. A título de exemplo, um atum, mesmo a dormir, necessita constantemente de refrigerar e oxigenar o seu sangue. Para satisfazer essas suas exigências térmicas e em oxigénio, um atum com 1 metro de comprido, mesmo a dormir, terá que nadar, no mínimo, 1 vez e meia o comprimento do seu corpo, ou seja, nada 1,5 metros por segundo, qualquer coisa como uma velocidade muito superior ao record olímpico de natação livre.

Para se perceber melhor a complexidade do sistema de refrigeração dos atuns, o seu sangue tem que passar pelas guelras onde é oxigenado e arrefecido como se de um radiador de um automóvel se tratasse. Desta forma, quanto mais energia o atum consumir, mais rapidamente o sangue tem que lhe passar pelas guelras para se arrefecer e ganhar o oxigénio que necessita para fazer face às suas exigências energéticas. De outro modo, se não conseguir refrigerar o seu sangue nas guelras, este aquecerá tanto que lhe queimará a carne, desvalorizando-a, pois a sua carne queimada e de aspecto acastanhado, comercialmente nada vale, não existindo, por isso, nenhum sushi-bar que o sirva às suas mesas.

O saber-se classificar os atuns antes de embarcarem, é também um factor crucial para o sucesso deste tipo de negócio porque o pior que se poderá fazer, como já foi dito, é exportar um peixe sem qualidade, e que depois tem que ser posto no lixo porque ninguém o compra, isso para não falar na negatividade que tal ocorrência acarrecta com prejuízos para ambas as partes. É, portanto, essencial saber-se classificar; é fundamental proceder a uma classificação diferenciada de cada atum, para uma facturação precisa de cada unidade; é com essa classificação que poderá chegar a sorte de se conseguir descobrir um peixe com uma qualidade tão boa, que se torna no jackpot que justifica, só por si, toda uma safra; é, também, a classificação que permite ao exportador saber em rigor a matéria-prima que o importador receberá e qual o valor muito aproximado da sua venda.

Poder-se-á, eventualmente pôr em questão, como se classifica um peixe que só chega às bancas de venda 1, 2 e mesmo 3 dias depois, e se esse tempo não o desvaloriza. Para que se saiba, um atum bem pescado, morto e preparado por gente que sabe do ofício, manter-se-á, em bom gelo, durante 5, 6 ou mesmo 7 dias, sem perder qualquer qualidade. Se o trabalho de preparação de um atum, para exportação, for bem feito, aquele manter-se-á, por incrível que pareça, com a qualidade com que entrou na caixa depois de percorrer milhares quilómetros de avião chegando ao seu destino com uma cor encarnada luzidia e uma qualidade, que desafia os apreciadores de um bom sashimi.

Só que esta qualidade só se consegue quando o peixe chega a bordo sem ter tido tempo de lhe queimar a carne; é imediatamente atordoado com uma pancada na cabeça; é devidamente sangrado e é-lhe destruído o nervo central com um fio de nylon grosso que desce toda a sua espinhal medula, destruindo-a para que suceda a sua morte total; seja devidamente sangrado, nos lugares certos sob as barbatanas ventrais e cauda; seja esviscerado como deve ser sem lhe causar ferimentos na cavidade abdominal; depositado, depois destes trabalhos, numa tina com 4 partes de gelo, tipo escama, de água salgada, e uma parte de água do mar; e seja conservado posteriormente no armazém, totalmente envolto no gelo, até ser embalado e exportado.

Feito tudo isto no seu timing, o peixe chegará ao seu destino como se tivesse sido acabado de pescar, daí a classificação feita na partida, ser essencial para se ter o conhecimento exacto da qualidade e valor do peixe que se vai exportar. Cabe aqui dizer que uma classificação bem feita à partida, será absolutamente igual àquela que terá no seu destino, mostrando que o trabalho que se fez na origem foi um trabalho dentro do saber, da idoneidade e da respeitabilidade, desenvolvida num negócio que se baseia numa qualidade que nenhum outro mercado alimentar tem.

Fonte: Escrito por Valdemar Oliveira / Correio dos Açores

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