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3 – Atum rabilho, esse tesouro que nos tem passado ao lado // por Valdemar Oliveira

3 – Atum rabilho, esse tesouro que nos tem passado ao lado // por Valdemar Oliveira

Neste 3º capítulo, dedicado a este extraordinário peixe, queremos abordar questões essenciais que se prendem com a preservação da sua qualidade ou com a forma de a conseguir ao longo dos tempos. 

Disse que o facto de termos o rabilho à nossa porta, passando descontraidamente nas nossas águas; que o facto de conseguirmos quotas para o pescar dentro das Leis comunitárias, não são, só por si, indicadores seguros de que a riqueza esteja perto de nós, e que espera, apenas, que os pesquemos para enchermos os bolsos de dinheiro.

As pessoas que lidam com estas questões da pesca do atum, certamente que já ouviram falar do atum verde.

O que é, então, o atum verde? Todo o atum que chega às nossas águas, esfomeado e magro, para se vir refastelar a comer luzidios chicharros e suculentas cavalas à farta nas nossas águas, e continuar depois a sua migração, chega sem gordura nenhuma. Por isso, o rabilho apresenta uma cor levemente esverdeada na sua carne em vez daquele vermelho majestoso, atractivamente resplandecente, que os mercados sushi querem e muito apreciam. Esses rabilhos e muitos patudos que nos visitam, praticamente todos os anos, ainda muito cedo, em pleno inverno diga-se, estão “verdes” e não têm, salvo raras excepções, nenhuma gordura. É por conseguinte um peixe de carne pouco vermelha, numa cor transitando para o verde, magríssimo, e sem valor comercial algum, para consumo em cru nos mercados sushi, ou mais propriamente nos sushi-bares.

Por outras palavras, embora muitos desses rabilhos que nos visitam no inverno sejam autênticos gigantes com tamanhos enormes, regra geral com mais de 250/300 kg. de peso, necessitariam de engordar muito para atingirem parâmetros de qualidade que viessem, de facto, enriquecer os pescadores que os pescassem.

Recordo-me que na Nova Zelândia e na Austrália, tal como aqui, os rabilhos pescados em algumas estações eram incrivelmente magros, sem qualquer valor comercial para sushi nem tão pouco para conserva. Hoje, muitas das suas grandes fortunas feitas nas pescas, aconteceram com a pesca e depois engorda desses rabilhos, em enormes gaiolas, ancoradas no litoral daqueles países. Pescam esses rabilhos, por vezes a mais de uma centena de milhas de distância e depois de os capturarem, transportam-nos vivos (ou melhor rebocam-nos) durante 1, 2 e mais dias, até às gaiolas, onde depois os alimentam diariamente, durante uns tempos, com apetitosas cavalas e chicharros, até que atinjam valores elevados de gordura, e sejam vendidos depois por valores astronómicos, dependentes, claro, das quantidades para venda nas lotas onde são leiloados.

E não são as águas rebeldes dos Açores ou a falta de baías abrigadas naturais entre nós, que fazem com que não se pudessem usar dessas gaiolas nas águas açorianas pois as mesmas têm uma tecnologia e um mecanismo sofisticada que faz com que mergulhem ou se elevem automaticamente para se defenderem da ondulação que poderia faze-las perigar. Essas gaiolas, embora construídas em muitos países, têm a sua máxima perfeição em Israel que as vende por preços muito vantajosos tomando em consideração a sua eficácia e durabilidade.

Outra grande questão que se põe com os rabilhos que nos visitam, é o facto de serem, regra geral, peixes enorme, com mais de 250 kg de peso, que muitas vezes atingem os 400 e mais kg, só pode ser pescado à linha, nunca de salto e vara. Esse facto, dada a sua enorme força, grande resistência e disposição para a luta, leva a que o rabilho lute tanto tempo, sob um enorme stress, que lhe rouba a refrigeração capaz do seu sangue nas guelras, e consequentemente a sua carne queime.

Como já se disse, a carne do atum queimada pelo seu sangue, não tem qualquer valor comercial nos sushi-bares mundiais: é por conseguinte lixo.

Ainda poderia haver uma forma de se poder pescar e exportar alguns rabilhos dos Açores desde que os atuns depois de pescados, não fossem içados mas largados à deriva com uma boia na extremidade superior da linha de pesca até que passadas algumas horas, como na pesca de “long line” se acalmasse e finalmente se habituasse à sua nova realidade, recuperando a cor da sua carne. Mas nada nos garante que aquele atum tenha alguma gordura, que não morra de stress na linha, ou que depois de recuperado, cheio de força, quando começar a ser içado para bordo, não lute novamente e queime, outra vez, toda a sua carne.

Também nada nos garante que quando os rabilhos aparecem nas nossas águas não os haja com alguma gordura ou mesmo gordos, valendo por isso bom dinheiro. Assim como nada nos nega que se possa, com os moderníssimos e potentes carretos de pesca desportiva, à semelhança daquilo que se faz na costa Leste dos Estados Unidos, içar um grande e gordo rabilho em pouquíssimos minutos, sem lhe dar tempo a que a sua carne se queime.

Assim, só uma classificação capaz nos poderá dar muita informação segura através das amostras que se tiram junto à cauda e no lombo lateral. Através dessas amostras teremos a informação que necessitamos: se a carne nos pica na língua sinal de que está queimada; se tem gordura e que percentagem; se a cor é linda de morrer ou nem por isso, apresentando a cor do arco-íris; se a conjugação dos 3 factores gordura, cor e frescura é muito boa, boa, ou sofrível, e nos faz fazer contas e decidir se vale a pena gastar uma pipa de massa para o enviar para Los Angeles ou Tóquio.

Embora dependendo de alguma sorte, é essencialmente o nosso saber e cuidado com que lidamos com um negócio tão aliciante como o do atum para consumo em cru é: ou não estaríamos a falar de um negócio que pelas suas exigências e características, pelos valores que movimenta, nos podemos deitar ricos e acordar pobres.

Fonte: Escrito por Valdemar Oliveira / Correio dos Açores

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