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Na ponta da língua
Quanto mais gulosos e forretas formos com as sardinhas, mais depressa damos cabo delas para sempre.
Esta semana comi as primeiras sardinhas do ano. Eram gordas, frescas e firmes. Estavam deliciosas. Comi-as num restaurante especializado em peixe do mar que conheço há muitos anos e que nunca me deixou ficar mal.
Comi uma dose de sardinhas. Custou 12 euros. Era constituída por quatro sardinhas. Cada sardinha ficou por 3 euros. Em dinheiro antigo são 600 escudos por sardinha.
Não foi há muito tempo que por 600 escudos se arranjavam 30 quilos de sardinhas. É fácil começar logo a barafustar. A dose de sardinhas passou, nos últimos anos, de seis para cinco e agora para quatro.
No entanto, fiquei satisfeito. Se formos objectivos, quatro sardinhas, bem acompanhadas, chegam e sobram para encher a barriga. Quando comemos as tais sardinhas pedimos dose e meia (seis sardinhas); comemos três sardinhas cada um e ficámos muito bem almoçados.
Como tem noticiado o PÚBLICO, nunca se pescou tão pouca sardinha em Portugal. É urgente ler a reportagem de José Manuel Rocha, disponível online, com o título “Quebras na sardinha atiram capturas de peixe para mínimos históricos”.
Ajudado pela falta de sardinha, Portugal importou 1580 milhões de euros de peixe. Note-se que mais de 60 % da sardinha que consumimos é importada de Marrocos. As exportações de peixe aumentaram mas ficaram-se pelos 917 milhões de euros.
Quer isto dizer — aposto que, tal como eu, não sabiam — que Portugal, país de pescadores e de peixe, importa mais 663 milhões de euros do que importa. É mais do que 2/3 do que exporta. É grave.
No dia 16 de Julho, o PÚBLICO difundia uma notícia sensacional da Lusa: o ICES recomendou que as capturas de sardinha em águas ibéricas não ultrapassasse as 1587 toneladas: 70% para Portugal e 30% para Espanha.
Ou seja: cerca de 1000 toneladas para Portugal.
Humberto Jorge, da Associação das Organizações de Pesca do Cerco, disse à TSF que 1587 toneladas não dão “nem para uma semana de pesca”. Compare-se com o que foi autorizado para este ano: 16.000 toneladas.
Estes são os números, tristes e alarmantes, mas também informativos.
Nos três últimos anos, as sardinhas que se compram e que se comem em restaurantes têm aumentado muito de preço e baixado de qualidade.
Há por aí sardinha barata mas não é sardinha boa. Há boa sardinha congelada a preços baixos mas do que estamos a falar é da sardinha fresca e recém-pescada.
O problema do preço é central. Nós, os consumidores, temos de estar preparados a pagar pela sardinha o preço que ela merece e temos igualmente de comer muito menos sardinhas.
Não deveria ser possível comprar uma lata de boas sardinhas de conserva por 1 euro. Mas é o que custa. Os pescadores estão a ser mal pagos pela sardinha que pescam e são, por conseguinte, obrigados a pescar mais e de menor tamanho, não deixando crescer as sardinhas.
Também as empresas de conservas estão a ser mal pagas. Uma lata de sardinhas tem de custar o dobro ou o triplo. É um vício cultural querer uma lata de sardinhas por 1 euro. Se custasse 4 euros seria à mesma um produto de luxo, tanto do ponto de vista nutritivo como gastronómico.
Para que leve mais uns anos a chegar o tempo de pagar 12 euros por uma só sardinha assada, é essencial que aceitemos a escassez e o valor da sardinha. Para muitos portugueses é o peixe mais delicioso de todos.
Temos de defender a sardinha de nós próprios. A culpa não é dos cientistas nem dos pescadores nem dos peixeiros: a culpa é inteiramente nossa. Ao querer comprar grandes quantidades de sardinha por uma ninharia, estamos a condená-la ao desaparecimento.
Sim, foi assim no passado. Mas é preciso reconhecer que até agora a sardinha, para o que é (um peixe suculento e irresistível), é muitíssimo mais barata do que deveria ser.
Muito ajudaria que a sardinha fresca portuguesa, pescada nos meses de Verão, tivesse uma protecção oficial, para ajudar a distingui-la das sardinhas importadas e descongeladas. Assim poder-se-ia cobrar mais pelas melhores sardinhas.
Pagar muito mais e comer muito menos: é essa a missão de quem realmente gosta de sardinhas.
Por Miguel Esteves Cardoso / Público