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Rabo de Peixe // Cruz Vermelha distribui chicharros aos próprios pescadores que os pescaram depois de receber o peixe como doação

Rabo de Peixe // Cruz Vermelha distribui chicharros aos próprios pescadores que os pescaram depois de receber o peixe como doação

Os ânimos exaltaram-se na madrugada de Terça-feira na lota de Rabo de Peixe, com pescadores e armadores a não deixarem que os 800 quilos de chicharro que tinham sido apreendidos na noite anterior fossem vendidos a favor da Inspecção Regional das Pescas.
Ainda decorreram algumas transacções, de onde o chicharro saiu a uma média de 2 euros por venda, mas a maior parte do peixe não foi vendido por insistência dos pescadores. Os compradores também não ficaram satisfeitos por não terem concretizado negócios, ao que alguns pescadores respondem “estão a comprar o chicharro a 1,5 euros ou 2 euros para depois os vendilhões conseguirem ir de porta em porta e vender a 6 ou 7 euros”.
“Não quero que vendam o meu chicharro” ouvia-se na lota enquanto os pescadores ressalvavam que “eles fazem o que querem com o pescador” para referir que “além de descontarmos 4% para a lota ainda descontamos 8% para a caixa” referia um dos pescadores de uma das quatro embarcações que viram o peixe apreendido.
No meio dos pescadores, ouvia-se que “não querem deixar trabalhar os pescadores” e enquanto se argumentava com a legislação, repetiam “eu não posso dar uma lei à minha mulher para ir ao supermercado”, ao que outros respondiam “é só proibir, proibir”. Armadores e pescadores referem que “é o desespero que nos leva a fazer coisas menos correctas” e por isso “o desespero desta gente é quando há bom tempo saírem para ir ao mar. O desespero é muito”, ouve-se.
Ouvem-se histórias de pescadores que levam para casa 80 euros “e temos de sustentar a família com isso”, dizem entre o desânimo e o desespero de verem o seu peixe a percorrer a passadeira para ser vendido enquanto o dinheiro que dali sairá não reverterá a seu favor.
Na lota esteve também o Presidente da Junta de Freguesia de Rabo de Peixe, Jaime Vieira, que entende que se deve alterar a legislação “dadas as dificuldades que se vivem actualmente na pesca. O que foi acordado em 2014 já não se adequa porque os pescadores estão a atravessar dificuldades e querem ir para o mar para ganhar o seu pão”.
Jaime Vieira declarou que vai tentar reunir com o Secretário Regional do Mar, Ciência e Tecnologia, Gui Menezes, a quem endereçará um convite “para vir a Rabo de Peixe para ouvir os pescadores e as dificuldades que têm tido nestes últimos tempos”, disse.

“São sobreviventes da pesca”
Dificuldades que o Sindicato Livre dos Pescadores conhece bem. O Presidente do Sindicato, Luís Carlos Brum, diz que “há pescadores e famílias que estão a passar por grandes dificuldades. Não têm rendimentos para os bens essenciais, para a luz, gás, água. Está-se a passar grandes dificuldades na pesca em Rabo de Peixe”, refere.
É por estas dificuldades que “os pescadores vão para o mar aproveitando qualquer brecha de bom tempo para exercer a sua profissão. Para sustentar as famílias, para sobreviverem. Estamos a falar de sobreviventes da pesca porque quase não dá para viver da pesca”, afirma.
Luís Carlos Brum remete para uma reunião entre pescadores e Secretaria no início de 2014 para afirmar que “é possível pescar ao fim de semana, no caso de haver previsão de mau tempo nos dias seguintes”. O Sindicato Livre dos Pescadores “considera que houve excesso de zelo e de rigor por parte da Inspecção Regional das Pescas ao apreender aquele pescado. Tem havido mau tempo e os homens aproveitaram o bom tempo”, afirma. É por isso que considera que os quatro armadores a quem foram apreendidos os 800 quilos de chicharro “devem ser ressarcidos desse pescado apreendido”, pedindo uma “intervenção mais humana e solidária para com os pescadores”. Luís Carlos Brum refere que o Sindicato tem estado a trabalhar em conjunto com a Cooperativa Porto de Abrigo, e com pescadores e armadores envolvidos nessa apreensão.
A Cooperativa Porto de Abrigo, através do Presidente João Bagnari de Castro, esteve em contacto com os quatro armadores em causa. Em comunicado, a Porto de Abrigo informa que a escassez de chicharro foi agravada pela previsão de mau tempo para a corrente semana. Neste sentido, evoca uma reunião realizada em Fevereiro de 2014 referida pelos armadores “que, em situações de previsão de mau tempo nos dias estabelecidos para a captura (de Segunda a Quinta-feira) os produtores com arte de rede poderiam efectuar pescarias do Domingo para a Segunda-feira na condição de tal pescaria, ser vendida no primeiro dia acordado para venda: na Terça-feira”.
Foi por isso que as quatro embarcações na noite de Domingo para Segunda “tendo parte delas efectuado pescarias e descarregue para armazenagem, para posterior venda na Terça-feira”.
Neste sentido, a Porto de Abrigo e os armadores visados “solicitam ser ressarcidos dos prejuízos” resultantes da actuação da Inspecção Regional das Pescas. Atendendo à carência das espécies em causa, os preços de venda em lota têm, em média, sido superior a 4/5 euros, pelo que consideram ser ressarcidos pelo valor médio dos preços de venda em lota da semana anterior.

Esclarecimento da Secretaria Regional do Mar, Ciência e Tecnologia
A Inspecção Regional das Pescas, através da Secretaria Regional do Mar. Ciência e Tecnologia, justifica com a portaria n. 66/2014 de 8 de Outubro, a sua actuação para apreender o chicharro das quatro embarcações de Rabo de Peixe.
A portaria de 2014, que contou com o acordo dos armadores das embarcações chicharreiras de São Miguel e Terceira, define “as regras que melhor se adaptavam à pescaria de pequenos pelágicos, nomeadamente chicharro, cavala e sardinha, capturados com a arte de levantar e a arte de cerco”. Estabelecidos foram também os dias de semana em que é permitida a sua utilização, bem como as quantidades que são permitidas capturar diariamente por embarcação. Neste sentido, “na ilha de São Miguel, a utilização da arte de cerco e da arte de levantar apenas é permitida entre as 06H00 de segunda-feira e as 06H00 de sexta-feira. Nesse sentido, as embarcações de Rabo de Peixe autuadas na segunda-feira, 30 de Janeiro, pela Inspecção Regional das Pescas (IRP) estiveram a utilizar indevidamente a arte de cerco. Após ter comprovado que as embarcações autuadas tinham exercido a actividade em desrespeito pelas regras estabelecidas, a IRP informou os armadores e a Lotaçor de que o pescado capturado se encontrava apreendido e que seria apresentado à venda em nome da IRP”. No entanto, fonte da Secretaria Regional refere que a própria portaria permite que o Secretário Regional pode, quando solicitado e após parecer da associação de pescadores da respectiva ilha, autorizar idas ao mar fora do período estabelecido. Mas, neste caso, não foi feito qualquer pedido pelos pescadores em causa.
O comunicado do Governo Regional informa ainda que os armadores “impediram a venda do pescado apreendido na lota de Rabo de Peixe, bem como a venda de pescado capturado legalmente de duas embarcações”. A Inspecção Regional das Pescas informa que “não foi tomada ainda qualquer decisão sobre as coimas a aplicar aos armadores” e a Secretaria mostra-se “sempre disponível para dialogar com as associações do sector e com grupos de armadores sobre as regras estabelecidas no que respeita à actividade da pesca”.

Fonte: Correio dos Açores

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