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Mário Rui Pinho, Presidente do IMAR: “Os Açores vão continuar a ser um pequeno pólo sem investimento pesado se dividirem os interesses do mar por diferentes capelinhas”

Mário Rui Pinho, Presidente do IMAR: “Os Açores vão continuar a ser um pequeno pólo sem investimento pesado se dividirem os interesses do mar por diferentes capelinhas”

Em risco estão cerca de três projectos levados a cabo pelo Instituto do Mar (IMAR) nos Açores, nomeadamente os que foram aprovados entre o final de 2019 e o início de 2020 e cujo financiamento, face à “monstruosidade da situação” que o coronavírus provocou em vários domínios, pode ser canalizado para outros sectores, como o da saúde ou o da produção, explica Mário Rui Pinho, Presidente do Instituto do Mar (IMAR). A par desta preocupação, que pode levar investigadores para o desemprego, adianta que a grande prioridade que tem em conjunto com a Universidade dos Açores é a de “construir o Okeanos como instituto de investigação da área do mar” a nível regional, permitindo assim captar grandes investimentos, algo que a existência de várias instituições que partilham dos mesmos objectivos na Região pode dificultar, devido à escassez de financiamento.

Correio dos Açores – De que forma o trabalho do IMAR-Açores ficou comprometido com a evolução desta pandemia?
Mário Rui Pinho, Presidente do IMAR –
Esta é uma pergunta difícil. O que nós fizemos, dado que o IMAR é uma associação sem fins lucrativos e que não tem instalações físicas, foi solicitar a cada um dos associados que adoptasse o plano de contingência de cada um dos seus sócios, e o IMAR-Açores adoptou na íntegra o plano de contingência da Universidade dos Açores.
Ficámos logo aí condicionados, porque o facto de não podermos ter acesso às instalações limita-nos. Por exemplo, temos um conjunto de tarefas que temos que desempenhar em termos laboratoriais que estão, neste momento, comprometidas até nova adaptação do plano de contingência.
Adicionalmente, o IMAR tem as suas plataformas móveis, nomeadamente os navios, as lanchas e os semi-rígidos para poder fazer os trabalhos de campo no mar, e tudo isto neste momento está parado porque aí seguimos regras que são ditadas pelo Governo Regional, que antes do dia 18 de Maio não permite qualquer abertura.
Por outro lado, temos também um conjunto de observadores científicos que são colocados a bordo das embarcações e estamos dependentes das regras de acesso que cada um dos armadores ou das associações da pesca impõem no âmbito dos seus próprios planos de contingência.

Que alterações tiveram que ser feitas?
O IMAR, no âmbito do plano de contingência da Universidade, colocou todos os seus funcionários em teletrabalho. A Universidade dos Açores deu todas as condições para que isso fosse feito e o pessoal transportou os equipamentos de que necessitava para exercer a sua actividade profissional em casa, sendo coordenados por um grupo de administrativos que dá apoio à instituição e pela direcção.

Que desafios surgem daqui em diante?
Isto suportou-se até agora, mas daqui em diante será um pouco mais complicado porque o IMAR tem despesas fixas na ordem dos 200 mil euros por ano e gere cerca de dois milhões de euros em projectos anuais que têm que ter execução.
Se não houver justificação de execução do projecto ou se não houver despesas para colocar nos portais para reembolso nós ficamos financeiramente bloqueados, e essa é uma preocupação que a Direcção tem.

A Fundação para a Ciência e a Tecnologia deu mais dois meses para a execução de projectos, de que forma isto pode ser insuficiente?
A pergunta que nós fazemos é: quem é que paga os ordenados aos investigadores e dos técnicos que estão associados ao projectos para estendê-los por dois meses?

Estamos a falar de pessoas que são precárias e que dependem na totalidade destes financiamentos. Agradecemos que nos possam dar mais tempo para que possamos completar os trabalhos de campo, mas é preciso pensar que as pessoas não trabalham de borla, e dois meses é significativo no rendimento de um investigador ou de um bolseiro.
O IMAR tem neste momento 75 pessoas, destes 45 são contratos e cerca de 30 são bolseiros. Pelo menos era esta a massa laboral de Janeiro de 2020.
Também é verdade que temos 43 projectos e que estas pessoas estão divididas entre projectos regionais, europeus, prestações de serviço, etc. Mas é preciso que os projectos tenham execução.

Receia que daqui em diante possa existir menos financiamento para áreas de investigação que envolvem o mar?
Estaria a ser ingénuo se dissesse que não. Isto é um problema para o qual temos que ter muita atenção. Queremos também colocar esse problema à reitoria e à direcção nacional do IMAR porque é óbvio que isso vai acontecer.
Dada a monstruosidade desta situação em termos financeiros para o Estado, é obvio que o Estado vai tentar ir buscar recursos desses financiamentos e aí temos dois tipos de grandes dificuldades.
Primeiro será a aprovação de novos projectos, porque o financiamento que vem para novos projectos pensamos que irá diminuir significativamente para que o dinheiro possa ser distribuído para outras áreas que possam ser prioridade, nomeadamente para reactivar a produção do país.
O que nos preocupa mais é o que já foi aprovado e de onde o Governo terá a tentação de recuperar o investimento anulando os protocolos ou os contratos de projecto que fez connosco, e aí é muitíssimo mais complicado.
Imagine-se um projecto que foi aprovado e que está no início da sua execução, onde há contratos feitos com os investigadores, temos pessoal contratado e embora o contrato possa não estar formalmente completo, os editais já foram feitos, os concursos já foram feitos, em alguns casos estamos na parte das assinaturas e alguns foram já assinados e o Governo não pode pura e simplesmente dizer “não financiamos isso”.
Esse é um receio que temos e é preciso que o Governo tenha o bom senso de restringir o financiamento nos próximos anos, mas assumir aquilo que está já contratualizado.

Mas já foram informados dessa possibilidade?
O IMAR já foi informado pela Direcção Regional da Ciência e Tecnologia e pelo próprio Mar 2020, no âmbito dos projectos PO 2020, de que isso vai acontecer, de que vão limitar financiamento porque precisam de canalizar recursos para outras áreas, nomeadamente para o Serviço Nacional de Saúde e para o Serviço Regional de Saúde, para o apoio ao emprego e para a recuperação das actividades produtivas.
Nós estamos de acordo com isso, até porque fazemos parte da mesma sociedade que tem essas necessidades.
Mas o IMAR não pôs ninguém em Lay-off nem despediu ninguém por conta da pandemia, consegue executar aquilo que tem em carteira estando confinando, desde que nos assegurem que ao longo do ano possamos ter acesso às plataformas novas para ter acesso às amostras de campo, nomeadamente no mar, e que possamos ter acesso aos laboratórios para executar os projectos para garantir que as tranches que estão em falta entrem e que possamos pagar ordenados.
(…) Só no final do ano poderei dizer se estaremos com dificuldades ou não. O IMAR felizmente, até aqui, tem tido sempre mais receita para além daquela de que tem necessitado, mas vamos ver.

Quantos projectos foram afectados?
Entre estes projectos que podem estar afectados, num universo de 43, estaremos a falar de dois ou três projectos, nomeadamente os POs, projectos que foram aprovados em 2019, início de 2020 e que podem estar comprometidos.

Nesses casos os postos de trabalho dos investigadoressão assegurados?
Não, se houver a renúncia dos contratos não. Nós já chamámos a atenção da Direcção Regional da Ciência e Tecnologia para tomarem atenção nas decisões que vão tomar porque alguns desses projectos têm já contratos, e aqueles que não estão executados ainda têm a promessa de uma renovação de contrato das pessoas.
Mas creio que o Governo vai tomar em atenção estes problemas e a informação que temos é que aqueles projectos que foram aprovados e que não chegaram a ter execução por qualquer motivo estarão cancelados. Esperamos, em princípio, não sermos afectados com isso.

De que forma é que a investigação que é feita pelo IMAR pode contribuir para solucionar problemas relacionados com a Covid-19?
O IMAR nem tanto, e isto vem na sequência dos investimentos que são feitos na investigação. Nós tínhamos uma muito boa equipa biomolecular, que é exactamente a área onde a Covid poderia ter muito apoio. Essa área está bastante reduzida, para não dizer que não está a funcionar neste momento.
Grande parte dos investigadores eram pós-doc, e grande parte deles, incluindo açorianos de gema, estão fora da Regiãocom contratos na Suécia, na Noruega, no continente português e embora continuem a trabalhar connosco não fizeram o update, incluindo o update do equipamento que é hoje necessário para fazer as amostras.
Nessa área específica, o IMAR pode dar pouco apoio, mas a longo prazo estamos cá para responder, não só no apoio necessário agora, como na investigação resultante da biotecnologia que pode resultar do oceano para essas aplicações.Os investigadores estão agora mais despertos e vão dar mais atenção de como é que nas suas investigações podem dar apoio à imunologia.

Que projecto sseriam importantes para os Açores e não estão a ser desenvolvidos?
A nossa grande prioridade neste momento é construir o Okeanos como um instituto de investigação regional da Universidade dos Açores, mas para que seja um instituto de investigação da área do mar regional e que possa fazer todas as valências internacionais que entender fazer, fazer as redes que entender e crescer.
O que nos preocupa é esta diversidade de instituições que, entretanto, se vão criando. Primeiro é o AIR Centre, depois é o Observatório do Atlântico. Ficamos confusos e baralhados por numa época de financiamento curto se dividir o financiamento para um conjunto de instituições para trabalhar na mesma área.
Até aqui, um dos grandes parceiros do IMAR e do Departamento de Oceanografia e Pescas ter sido o Governo Regional dos Açores, e continua a ser. Não tenho razão nenhuma para não acreditar que o governo vai querer ser o parceiro privilegiado do Okeanos, mas é preciso que isso seja dito e é importante que isso seja feito.

De que forma se torna importante a manifestação do Governo Regional em relação a esse aspecto?
É importante por causa dos protocolos dos observadores, dos programas de cruzeiros de investigação, dos navios de investigação e da disponibilidade dos meios.Até aqui o Governo Regional tem sido um parceiro excepcional.
Acho que vale a pena começarmos a desenhar esta estratégia. O senhor reitor já disse (ao Governo dos Açores) que a estratégia da universidade (…) não aceita que outra instituição qualquer seja financiada na Região para competir com o Okeanos.
É isto que vai definir o futuro, porque se dividirmos os interesses do mar por diferentes capelinhas, então os Açores vão continuar a ser um pequeno pólo sem capacidade de poder atrair investimento pesado.
Para além disso, o IMAR iniciou negociações com a Portos dos Açores, e agora o Okeanos irá continuar isso, porque é um anseio de longo prazo ter um cais para a ciência no porto da Horta, e a Portos dos Açores está disponível para fazer isso.
Tendo isso há condições para fazer um conjunto de associações, uma vez que a Universidade dos Açores é também sócia-fundadora da Escola do Mar, e penso que temos as condições reunidas para fazermos coisas interessantes na área do mar, mas tem de ser sempre na perspectiva de cooperação e não de divisão.
O grande interesse histórico do IMAR é ter demonstrado que uma rede pode ser de uma grande utilidade, e o IMAR ajudou muito a Universidade dos Açores e a Região na sua projecção.

O que deveria ser feito em relação à questão da multiplicidade de instituições dedicadas à investigação?
Em primeiro lugar, deve existir uma boa clarificação. Conheço mal quais são os objectivos do Observatório do Atlântico e do AIR Centre, embora deste último tenha uma melhor perspectiva em relação ao seu objectivo porque pode ser um motor de cooperação internacional utilizando os serviços do Governo Regional, mas se querem fazer algo internacional as instalações já existem, basta pegar no que existe e ampliá-lo. Façam os protocolos que entenderem e instalem-nas.
É muito difícil para um investigador que tem todos os anos que lutar em arenas competitivas para conseguir ter receita nos projectos para pagar o seu ordenado, e de repente dizerem que na ilha Terceira foi criada uma instituição que vai contratar sete pessoas, ou que na Horta serão contratadas mais pessoas.

Fonte: Correio dos Açores

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