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A globalização do peixe: os mares ficam vazios e as peixarias enchem

A globalização do peixe: os mares ficam vazios e as peixarias enchem

Os ovos vêm da Noruega, o salmão cresce na Escócia, será defumado na Polônia ou filetado na China. Selvagem ou de cativeiro, o peixe se globaliza como nunca devido a uma concentração inédita da indústria pesqueira e de uma explosão da aquicultura.

No site chinês de comércio eletrônico Alibaba, com apenas alguns cliques pode-se comprar três toneladas de filé de cavala norueguesa enviada do porto de Qingdao (leste da China). A entregá estará disponível em 45 dias.

A China e os cargueiros frigoríficos gigantes desempenham um papel fundamental nesta industrialização mundial do peixe. Primeiro exportador de produtos pesqueiros e primeiro produtor de peixes de cativeiro do mundo, o país é também um grande importador.

“Há, efetivamente, uma quantidade significativa de peixes congelados enviados à China unicamente para a filetagem, para o que se aumenta sua temperatura, sem chegar à descongelação total”, disse à AFP uma fonte do sindicato de importadores e exportadores de produtos congelados de um dos 28 países da União Europeia.

“Principalmente para produtos de apelo que são em grande quantidade e que fazem baixar os preços”, acrescentou, pedindo anonimato.

A prática ajudou a transformar as províncias costeiras chinesas de Liaoning e Shandong em centros globais de processamento de peixes.

 

“Uma loucura”

Na Grã-Bretanha, Don Stainford, diretor da Aliança Global contra a Aquicultura Industrial, não esconde sua indignação ante a guinada taylorista do planeta – uma “loucura”, segundo ele.

“Os criadouros escoceses importam seus ovos da Noruega, a alimentação dos salmões vem do Chile, o salmão é defumado na Polônia, pois é mais barato”, disse, em entrevista por telefone desde Paris.

Os consumidores “não percebem que o salmão barato tem um custo social e ambiental muito grande”, apontou, criticando a hipocrisia da indústria salmoneira escocesa, dominada por gigantes noruegueses, particularmente a Marine Harvest.

Mas as doenças resistentes aos antibióticos ou os parasitas presentes nos peixes obrigam a matanças em massa nas granjas aquícolas e tendem a fazer subir os preços do salmão no mundo.

O Chile, segundo produtor mundial atrás da Noruega, também se viu afetado no início de 2016 pela ação de uma microalga que implicou uma forte mortalidade, reduzindo suas perspectivas de produção em 30%.

O potencial de desenvolvimento continua sendo, ainda assim, enorme. Segundo uma previsão do gabinete americano Allied Market Research, publicada a quinta-feira, o mercado mundial da aquicultura deveria atingir 242 bilhões de dólares em 2022, em comparação aos 169 bilhões de 2015.

A Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o Banco Mundial preveem que em 2030 dois terços dos produtos do mar em nossos pratos procederão de granjas aquícolas, que “desenvolvem suas capacidades de produção a toda velocidade”, segundo a OCDE.

 

Menos pescadores, mais aquicultores

O ano de 2014 foi decisivo. Nesse ano, a pesca marítima mundial só aumentou em 81,5 milhões de toneladas de peixes em suas redes, contra os 86,4 milhões que alcançou em seu máximo histórico em 1996, segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO). E o planeta perdeu 1,5 milhão de pescadores.

Além disso, pela primeira vez, as pessoas consumiram mais peixes de cativeiro do que selvagens pescados em mares ou rios.

Em relação ao emprego, a pesca e a aquicultura supõem uma fonte de renda e de subsistência para 56,6 milhões de pessoas no planeta.

Estes dados traduzem a evolução do setor: a parte dos funcionários na pesca de captura diminuiu, passando de 83% em 1990 a 67% em 2014, enquanto que a dos trabalhadores na aquicultura aumentou, de 17% para 33%.

Tanto para os profissionais quanto para os defensores do meio ambiente, a sobrepesca industrial é um dos principais motores deste fenômeno. A escassez de peixes selvagens leva a uma concentração das grandes multinacionais da pesca.

“Estamos assistindo a um fenômeno inédito de compra e de concentração do setor na Europa e no mundo”, afirmou à AFP François Chartier, especialista em economia do mar para a ONG Greenpeace.

“Na França, para a pesca do atum, dois dos três últimos armadores especializados acabam de ser comprados por grupos holandeses”, afirmou.

O mesmo acontece em relação ao processamento. Petit Navire, o líder do atum enlatado na França – o peixe mais consumido no país – foi adquirido em 2010 pelo número 3 mundial do peixe enlatado, o tailandês Thai Union Frozen Products.

Fonte: Isto é / Brasil

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