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Cientistas americanos e europeus usam algas dos Açores apanhadas e tratadas pela empresa SeaExpert para alimentar vacas
Correio dos Açores – Como começou a SeaExpert e como tem vindo a crescer esta empresa sediada no Faial?
Henrique Ramos (Director Executivo da SeaExpert) – Já contamos com 17 anos de história. Tudo começou em 2003, quer dizer, começou em 1997 quando conheci o Faial pela primeira vez, pelas mãos de uns amigos músicos e eu também estava a tocar música na altura. Apaixonei-me pelos Açores e foi amor à primeira vista. Pelo mar.
Depois comecei a namorar no Faial, e comecei a querer vir para cá e a procurar trabalho. Comecei a vir trabalhar como observador de pesca no programa POPA e chegou um dia que fiquei por cá. Quis vir fazer o doutoramento para os Açores, mas entretanto não acabei. Mas constituí família e fiquei.
A SeaExpert surge porque eu sempre lidei maioritariamente com biólogos marinhos, embora eu seja geógrafo, e percebi que talvez houvesse espaço para uma empresa que pudesse dar apoio à pesca em geral. E ao mesmo tempo, eu que tinha trabalhado como observador de pesca nos mares da Terra Nova, nos grandes barcos, acabei por saber que o concurso para a gestão do programa de observadores da Terra Nova ia passar a ser a nível nacional, que antes era a nível europeu. Como sabia gerir o programa, idealizámos o programa, montei a empresa, concorremos e ganhámos. Isto ao mesmo tempo que estávamos com a expectativa de servirmos de apoio à pesca e aos pescadores. Mas essa foi uma ideia muito inocente porque uma pesca como a nossa, com o nosso perfil, muito artesanal, não tinha nem tem ainda maturidade, nem tradição, de recorrer a empresas para dar apoio. E mesmo que o façam, e fazemos isso com muito gosto, não será isto que me vai pagar as contas ao fim do mês. Rapidamente tivemos de expandir a nossa actividade para fora da Região e começámos a trabalhar com o Governo da República, com entidades externas e também com o Governo Regional, com a Universidade. Já fizemos várias coisas na Região.
A ideia de apoiar a pesca não deu certo?
Não é que o apoio à pesca tenha corrido mal, mas rapidamente o mercado regional se revelou pequeno para uma empresa ter que facturar todos os meses com serviços prestados. A empresa presta um serviço e, de repente, a pesca não era assim tão grande. A empresa achava que sim, mas depois revelou-se que não era uma necessidade.
Entretanto, começámos a explorar várias coisas. Estivemos envolvidos no arranque da aquacultura na Região. Trabalhámos vários projectos de aquacultura de cracas, mas entretanto esta cultura sofreu um volte face, fruto de se descobrir que as cracas têm alguns metais pesados que podem não ser bons para a saúde. A produção revelou algumas fragilidades e a nossa parceria com a Universidade, na altura, não foi muito bem sucedida. Mas estivemos vários anos a trabalhar na aquacultura, lançámos vários projectos, equipamentos, infra-estruturas, apoiámos o Centro de Aquacultura que existe no Faial.
Depois, começámos a trabalhar com programas de observadores, com vários observadores de pesca a nível nacional e regional, começámos a concorrer para projectos da Comissão Europeia, e até começámos a entrar em parcerias de projectos. Como temos uma forte componente científica, conseguimos sempre associar conhecimento científico aos serviços que prestamos e é essa uma das principais mais-valias da empresa. Isso dá segurança e permite-nos conquistar outros mercados que não só nos serviços propriamente ditos, também na parte da consultoria.
De há uns anos para cá investimos nas algas. Identificámos as algas como uma das áreas de maior potencial de crescimento e que estava bastante inexplorada nos Açores. E andamos aqui há uns anos a caminhar nesse sentido, a tentar implementar o comércio de algas. Seja para alimentação que é algo mais residual porque o recurso natural não é abundante, e com as algas alimentares abastecemos maioritariamente as ilhas, não vendemos para fora. Seja as algas para a indústria da cosmética e da biotecnologia em geral e que agora tem adquirido uma importância cada vez maior na empresa. Tem sido um sector que está a crescer bastante mas tem sido fruto de muito trabalho, de muita persistência, muita resiliência, que está agora a dar os seus frutos.
A exportação das algas para a cosmética e biotecnologia representa que fatia da facturação da empresa?
Depende porque é muito variável. Em 2020 possivelmente vai representar mais de 40% da facturação bruta. No ano passado representou 38,5%.
Tem vindo a crescer…
Sim. A empresa factura muito, mas circula muito o dinheiro. Em termos de lucro, dá-nos mais lucro trabalhar com as algas do que com observadores, por exemplo. Há uma mais-valia associada ao produto das algas.
Que mercados mais procuram as algas dos Açores?
Para a cosmética é o mercado americano e europeu. Há uma linha de cosmética a ser desenvolvida em Nova Iorque, acho que já está pronta, e vamos começar a abastecê-los com regularidade. São coisas relativamente pequenas, nunca vendemos grandes quantidades, mas o que vendemos é bom, é de qualidade, é reconhecido, é certificado e os nossos clientes gostam.
Em Nova Iorque está a ser desenvolvida uma linha de cosméticos com as nossas algas, em Portugal também já existe uma linha de cosmética com algas que são disponibilizadas por nós. Há também em França, na Alemanha, na Dinamarca, no Reino Unido, Irlanda, até na Islândia.
Quando diz que não vendem grandes quantidades, é porque não há recursos suficientes?
Não. É porque a cosmética faz os extractos e extrai aquilo que quer na alga. São altos concentrados, que usam pouco, e por isso não precisam de muita biomassa para terem concentrado suficiente para abastecer toda uma linha de produção. Às vezes são encomendas de 50 quilos de seco, ou 100 quilos. Mas também temos encomendas de 300 ou 400 quilos.
Em termos de biomassa somos muito cuidadosos. Apanhamos aqui no Faial e pouco mais. Exploramos um bocadinho e é inevitável haver impacto da nossa actividade, mas fazemo-nos pagar bem por aquilo que temos, que vendemos, porque achamos que também é quase uma taxa ambiental associada aos nossos produtos, pelo facto de virem dos Açores, de serem produtos certificados como produção biológica, com apanha natural, com Marca Açores. E porque produzimos muito conhecimento científico associado às nossas algas.
Nós contactámos mais de 400 empresas mundiais de cosmética, estudámos cada uma delas, vimos que linhas eles tinham e onde é que as nossas algas se poderiam inserir. Porque as espécies de algas que nós temos não são as algas mais comuns, que toda a gente usa e que se produzem às toneladas no Sudoeste Asiático ou na Irlanda. São algas diferentes. E os clientes que vêm ter connosco são os que procuram linhas distintas das outras, são os que procuram factores de diferenciação, que procuram algo que os distinga e onde toda a imagem da empresa e da Região, importa e serve para efeitos de marketing. E depois, em termos de ética com que trabalhamos, uma ética ambiental e social, que também é reconhecida pelas empresas. Passamos muito uma mensagem de respeito pelo oceano, que tudo nos dá. Temos de estar gratos e por isso temos um grande respeito, o que é muito acarinhado pelos nossos clientes.
Só fornecem algas para a cosmética?
Há uns anos descobriu-se que se juntássemos uma determinada alga, processada de determinada maneira, à ração das vacas faz com que elas possam diminuir em mais de 90% as emissões de metano para a atmosfera. A comunidade científica na área da produção animal está muito entusiasmada com esta descoberta porque a cultura da vaca tem sido muito criticada pelos seus impactos ambientais e a premência destes estudos é grande. Por exemplo, na Europa onde assumimos o Estado de Emergência climática e onde assumimos o compromisso da descarbonização da economia, estudos destes são considerados prioritários.
A trabalhar connosco temos um investigador que esteve na génese desta descoberta e que está, até hoje, ligado a esse mundo. Conseguimos ser a única empresa em toda a bacia Atlântica, talvez até no mundo, que está a fornecer algas para a ciência estudar esta nova possibilidade.
Temos encomendas de Universidades de todo o mundo. No ano passado abastecemos a grande maioria das comunidades científicas dos Estados Unidos e este ano toda a comunidade científica europeia está a ser abastecida com as nossas algas para esses estudos. Aqui estamos a falar de quantidades mais consideráveis.
É uma alga abundante nos Açores?
É. Inclusivamente é considerada invasora nos Açores.
Ainda estão a realizar estudos mas esta alga poderá ser incorporada, por exemplo, em rações?
Esse é o objectivo. Mas a nossa perspectiva é que a aquacultura destas algas é o futuro, porque os custos de produção de uma alga natural são muito grandes para poderem ser suportados pela indústria das rações, que trabalha com componentes que são vendidos em bolsa e são produtos vendidos à tonelada. As nossas algas, seriam a componente mais cara da ração.
É natural que o fornecimento em estado natural da alga é algo que vai ter tendência a diminuir, porque mais cedo ou mais tarde vai-se descobrir como se produz a alga. Este é um negócio que não sabemos quanto tempo vai durar, mas enquanto dura é bom porque dá-nos conhecimento, dá-nos experiência, dá-nos toda a rede de contactos, projecta o nosso nome e coloca os Açores no mapa.
As empresas sabem que podem contar connosco e temos inclusivamente uma estudante de pós-doutoramento em contexto empresarial – somos uma das seis bolsas atribuídas pelo Governo Regional para esse efeito – que está a fazer a caracterização bio-química das nossas algas. Para sabermos o que vender e como vender melhor o nosso produto, associando todo um conhecimento científico.
O cliente da cosmética é um cliente muito exigente e não está habituado a ter fornecedores de matéria-prima que lhes diga que sabem qual a alga que eles pretendem, que a vai apanhar, que a vai tratar e enviar. Somos um tipo de fornecedor com um perfil muito único. Normalmente eles falam com os apanhadores mas nós falamos com outra propriedade, sabemos exactamente o que o cliente quer, conseguimos falar de igual para igual com o cliente e isso tem uma vantagem muito grande. E vamos sendo reconhecidos. Com muita persistência estamos a conseguir chegar a esse reconhecimento e é a indústria que já vem ter connosco.
É sinal que têm vindo a fazer alguma coisa certa…
Exacto. O que aconteceu foi que começámos a fazer o nosso catálogo de algas e começámos a enviá-lo para várias empresas de todo o mundo. Depois começámos a enviar amostras. Primeiro enviámos uma determinada amostra, depois uma amostra de alga seca em determinada altura do ano, depois secas ao sol, depois secas à sombra, depois algas congeladas. E somos um fornecedor orientado “à medida” para o cliente. E o cliente gosta disso.
Todos os anos acrescentamos valor àquilo que produzimos. Vamos agora adquirir um contentor para secar as algas só com energia solar mas em ambiente controlado. Vamos adquirir um moinho, uma máquina de embalar a vácuo. Candidatámo-nos a um projecto de GAL Pesca (Grupo de Acção Local Pesca) e conseguimos ver aprovado o nosso projecto porque acho que somos o único projecto que chegou ao fim. Foi trabalhoso mas estamos na fase de encomendar estes equipamentos para acrescentar ainda mais valor às nossas algas.
Ao mesmo tempo, com os resultados da investigação científica que estamos a fazer em parceria com o IMAR, que é o nosso parceiro científico, juntamente com o Instituto Politécnico de Leiria, vamos trabalhando a produzir conhecimento. Não desenvolvemos produtos, mas estamos a aprender sobre aquilo que temos.
Ainda há muito que se desconhece sobre aquilo que os Açores têm a oferecer?
Há. Principalmente neste campo das algas. Para já, há um interesse crescente pelas algas e nós vamo-nos apercebendo. Nós começámos com determinadas espécies, depois percebemos que aquelas espécies não seriam muito boas para explorar porque são muito sensíveis, há outras que achámos que atingimos o máximo daquela espécie que conseguimos apanhar sem prejudicar os ecossistemas e retirámos a alga do catálogo. Entretanto já descobrimos outra que não há conhecimento nenhum associado, não há referências internacionais, mas existe em quantidade e vamos colocá-la no nosso catálogo a ver se alguém descobre. E é este o futuro, procurar nestes pequenos seres, coisas que nos possam servir na vida. E têm sido muitas descobertas.
Este ano já estamos a pensar incluir mais uma espécie no catálogo que entretanto foi descoberta e que existe cá. Os clientes depois vêm o catálogo e dizem que não conhecem aquela espécie e nós enviamos uma amostra. Eles fazem análises, dizem-nos que precisavam de ter a alga de outra forma e enviamos. Depois fazem uma encomenda, porque até que desenvolvam um produto demoram 3, 4 ou 5 anos.
E estamos nesta fase em que acompanhamos clientes já há quatro anos e vamos sempre enviando amostras cada vez maiores até que um dia fazem uma encomenda.
A empresa está em constante desenvolvimento…
Sempre. Os contratos que conseguimos vão variando e nem sempre há contratos que conseguimos dar resposta, ou que nos interessem, ou consórcios onde nos conseguimos integrar. Por exemplo, estamos agora a fazer um trabalho para o Governo Regional sobre a pesca. Vamos começar um outro em parceria com o IMAR para um outro estudo na pesca.
Há várias vertentes dos observadores, em que colocamos, por exemplo, observadores científicos no Oceano Índico, temos agora um observador científico no Atlântico Sul, temos observadores de controlo no Atlântico Norte, temos um observador de controlo no Algarve. Tivemos um contrato com o Instituto Português do Mar e da Atmosfera – IPMA para observadores científicos no continente.
Vamos procurando os nossos mercados, tentando criar parcerias, aumentando os contactos, conhecendo as pessoas e vamos conseguindo alguns contratos. A empresa vai crescendo ou diminuindo à medida que estes contratos chegam e acabam.
Quando fala em observadores, quer dizer que a empresa funciona como recrutadora?
Somos como uma agência de observadores. Preparamos as pessoas, preparamos programas de observadores, damos formação, coordenamos tudo. Temos clientes que já sabem o que querem e dizem-nos que só precisam que alguém seja responsável por contratar os observadores e coordenar as missões de embarque. Também temos clientes que precisam que seja constituído um programa para os observadores e nós fazemos.
Se precisarem de um programa de observadores científicos, vamos falar com entidades científicas da pesca, para perceber o que é necessário.
Se precisarem de um observador de controlo, vamos falar com os serviços de inspecção e com os serviços de controlo da pesca, para perceber a informação que consideram pertinente recolher. Formamos um observador nesse sentido.
Que não necessariamente observadores açorianos?
Era impossível se fossem só observadores açorianos. Temos embarques na África do Sul, no Algarve, em vários pontos da costa Portuguesa, em Espanha.
Por exemplo, agora com a Covid-19 os Açores ficaram completamente bloqueados e se trabalhássemos só com observadores dos Açores não conseguíamos fazer nada.
Esta pandemia fez-vos muita diferença?
Nem por isso. Exigiu-nos uma reacção mas não fomos muito afectados. Tivemos uma pessoa que está a trabalhar connosco, que vive em São Miguel, que está sozinha com o filho e quando as escolas fecharam, teve de ficar em lay-off. Foi um projecto que ficou suspenso mas que vamos retomar em breve. Depois, tivemos um observador que ia para o Oceano Índico que não foi mas deve seguir em breve.
Mas, de resto, as encomendas das algas continuaram e conseguimos trabalhar. Conseguimos apanhar algas. Caso contrário a investigação europeia iria parar se nós não fornecêssemos a biomassa. Implementámos um plano de contingência, desinfectámos tudo, equipámo-nos devidamente e conseguimos ir apanhar algas. Foi uma operação incrível.
Foi preciso muito “amor à camisola”?
Os privados têm uma urgência maior e focam-se muito na solução rápida. Uma coisa foi o sector do turismo, que ficou sem clientes e teve de parar mesmo, mas para apanhar algas está cada um por si, com o seu fato de mergulho, mantém-se a distância de segurança, com desinfectante, álcool. Porque a alga está aqui, agora, e se não fosse nesta altura já não dava para apanhar. Tínhamos o cliente, a alga à disposição e era a altura certa para a apanhar. Tivemos de nos adaptar. Foi mais exigente e mais difícil para nós trabalhar em contexto Covid, mas faz parte. Adaptámo-nos e conseguimos.
Fonte: Carla Dias / Correio dos Açores