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Cientistas unem-se para lembrar que só se salvam os oceanos apostando em áreas marinhas protegidas bem geridas

Cientistas unem-se para lembrar que só se salvam os oceanos apostando em áreas marinhas protegidas bem geridas

Dez anos de investigação e colaboração entre cientistas e instituições de vários cantos do mundo — entre os quais dois portugueses — resultaram no “Guia de Áreas Marinhas Protegidas: um enquadramento para alcançar metas globais para o Oceano” que é esta sexta-feira publicado na revista “Science”. O objetivo é o de alertar para a necessidade de clarificação e para a efetiva aplicação destes instrumentos que permitem conservar espécies e ecossistemas marinhos e contribuir para a sustentabilidade do planeta.

Quarenta e dois cientistas de 38 instituições, de seis continentes, uniram-se para um novo alerta em defesa dos oceanos e lembrar que as áreas marinhas protegidas (AMP) são um instrumento fundamental para salvaguardar não só as espécies e habitats que vivem nos mares como para o futuro da espécie humana. A síntese de uma década de investigação colaborativa resultou num artigo — “Guia de Áreas Marinhas Protegidas: um enquadramento para alcançar metas globais para o Oceano” — que é publicado esta sexta-feira na revista “Science”.

A ONU quer que 30% dos oceanos sejam protegidos até ao final desta década, mas só um terço desta ambição tem atualmente algum estatuto de proteção a nível global, e apenas uma ínfima parte conta com medidas concretas de gestão para tornar eficaz a classificação como AMP.

Em Portugal, as AMP ocupam 7% do nosso mar e, na sua maioria, são mais áreas marinhas protegidas no papel do que na prática. Dados da Agência Europeia do Ambiente apontam para que em 90% das AMP classificadas na Europa se continue a praticar, por exemplo, a pesca de arrasto, uma das artes pesqueiras mais danosas para os ecossistemas marinhos.

CLAREZA E TRANSPARÊNCIA

“Estamos a assistir a cada vez mais destruição dos oceanos e uma das formas mais eficazes para proteger a vida marinha e restaurar os ecossistemas é definir áreas marinhas protegidas e utilizá-las como ferramentas efetivas”, sublinha ao Expresso Emanuel Gonçalves, um dos dois investigadores portugueses que é coautor do artigo da Science. O investigador do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (MARE) e coordenador científico da Fundação Oceano Azul, reforça a ideia de que estas AMP “apenas produzem benefícios se forem corretamente implementadas e se tiverem um nível de proteção elevado”.

E é aí que este novo “Guia” vem dar uma ajuda, clarificando diferentes conceitos de AMP e de parques marinhos, quais os tipos de proteção existentes e o seu estado de aplicação global. “Isto permite trazer clareza e transparência à implementação das AMP de modo a apoiar as políticas de conservação nacionais e internacionais”, explica o especialista em conservação do oceano. O documento científico é útil para investigadores, pescadores ou decisores técnicos e políticos e permite clarificar onde, por exemplo pode ou não ser permitida pesca e com que artes, aquicultura ou ancoragem de embarcações.

O “Guia” agora publicado é apresentado como o “mais completo estudo” sobre as AMP, já que sintetiza toda a informação científica necessária para compreender, planear, avaliar e monitorizar a proteção do oceano, através destes instrumentos que permitem reverter a perda de biodiversidade. Nele é clarificado o que se entende por níveis de proteção (total, alta, ligeira ou mínima) e por estados de implementação (proposta, designada, implementada e ativamente gerida). Em todas elas deve haver interdição total para extração de recursos minerais ou de hidrocarbonetos, por exemplo, mas outras atividades associadas à pesca, ao turismo, ou outras atividades têm gradações de interdição.

Bárbara Horta e Costa, investigadora do CCMAR da Universidade do Algarve liderou, com Emanuel Gonçalves, o desenvolvimento de um ‘Sistema de classificação de AMPs baseado nos regulamentos’ no âmbito de um projeto colaborativo europeu, e coliderou o desenvolvimento dos níveis de proteção do MPA Guide. Para a investigadora “este Guia permitirá que investigadores, profissionais, utilizadores e decisores de áreas marinhas protegidas compreendam o que se espera das suas AMP, de forma a que estas revelem ser eficientes e eficazes, e façam a diferença, protegendo, de facto”.

90% DAS AMP NACIONAIS NÃO TÊM MEDIDAS EFETIVAS

Emanuel Gonçalves tem estado envolvido na criação e monitorização de AMP em Portugal e outras regiões do globo e a experiência e observação permite-lhe não ter dúvidas de que “só se podem esperar resultados se as AMP forem ativamente geridas, com planos de gestão definidos e meios para pô-los em prática e indicadores ecológicos e ambientais para avaliar a sua eficácia”. No caso português, a constatação do especialista é a de que “cerca de 90% das AMP definidas (que ocupam 7% das águas marinhas nacionais) não têm medidas de proteção implementadas”. Para o investigador “ temos de deixar de passar uma imagem errada à sociedade de que ao existirem AMP estas funcionam por si, e temos de informar e demonstrar que só funcionam para o fim para que foram criadas se forem fortemente protegidas”.

A meta nacional para 2020 era ter 14% de áreas marinhas protegidas, mas Portugal só tem 7% e não vai além de 0,01% na área com efetiva proteção. O objetivo da Estratégia Europeia para a Biodiversidade e da Estratégia Nacional para o Mar é classificar para proteção 30% dos mares até final desta década, um terço dos quais de forma efetiva.

Em entrevista recente ao Expresso, o ministro do Mar, Ricardo Serrão Santos, reconheceu que Portugal está longe do objetivo, mas que “proteger 30% do nosso mar é um compromisso internacional e europeu e Portugal não pode falhar”. No entanto, justificou, “estamos confrontados com questões legislativas incontornáveis relacionadas com a lei de bases do espaço marítimo. Para proteger áreas marinhas temos de ter em conta os seus usos tradicionais e negociar medidas compensatórias com as pessoas dos sectores, o que não se faz de um dia para o outro”.

A meta global de proteção de, pelo menos, 30% do oceano até 2030, pretendida pela ONU, vai ser submetida a votação na Convenção sobre a Diversidade Biológica, que se realiza em outubro na China.

Fonte: Expresso

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