Social
Fernando Barriga: “Não digo que vamos a correr buscar minérios aos fundos marinhos, o que digo é que temos de estar prontos para o fazer…”

Fernando Barriga: “Não digo que vamos a correr buscar minérios aos fundos marinhos, o que digo é que temos de estar prontos para o fazer…”

O geólogo, cientista e professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Fernando Barriga é também o representante de Portugal no European Corsortium of Oceanic Research Drilling [Consórcio Europeu de perfuração para pesquisa oceanográfica]. A mineração submarina é uma das áreas que tem vindo a desenvolver mais recentemente e admite que já houve pedidos para perfurações no mar dos Açores, embora não tenham seguido avante por se estar à espera de “legislação adequada”. O especialista admite que antes de mais é preciso inventariar para se saber efectivamente se há riqueza no fundo dos mares dos Açores. Os minerais raros, usados hoje em dia em todo o tipo de tecnologia avançada e nas coisas mais banais como as pastas de dentes, estão a escassear em terra e o fundo do mar apresenta-se como uma boa alternativa. O investigador esteve em Bruxelas num workshop organizado pelo eurodeputado Ricardo Serrão Santos, onde foram abordados vários temas relacionados com o mar profundo dos Açores. Fernando Barriga falou sobre a geodiversidade do mar profundo.

Correio dos Açores – Num workshop que decorreu em Bruxelas falou sobre o fundo do mar e sobre novas realidades Há uma oportunidade para a Região nesta área?
Fernando Barriga (geólogo, professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa) – Completamente. Os Açores, do ponto de vista geológico, estão numa situação única. Há a coincidência de dois fenómenos, um deles é o encontro das placas tectónicas, da placa Americana do lado Oeste, e da placa Euro-asiática do lado Nordeste, e a placa Africana do lado Sudeste. E no encontro destas três placas, estão os Açores.
Costumo dizer que os açorianos gostam de ver o mapa dos Açores sem água, porque mostra um alto enorme, com centenas de quilómetros, no seio do qual nascem as ilhas. As ilhas são uma espécie de chaminés de fada em cima daquele inchaço do fundo. É diferente da Madeira que tem 4 mil metros de água abaixo da superfície.
As ilhas açorianas têm muito menos, porque o fundo do mar, todo ele globalmente, está elevado. Isto significa que as condições geológicas são únicas, não há mistura de magmas. Porque há magmas da Crista Média Atlântica e magmas do chamado “ponto quente” dos Açores, que se alternam e que dão um regime térmico e tectónico diferente daquilo que é normal. E isso dá oportunidades muito grandes.
Outra coisa que eu disse é que nos Açores muita da evidência existe e foi colhida lá, para se dizer que a biosfera, todos os seres vivos da Terra existem entre dois reactores nucleares.

Como assim?
Um reactor nuclear que se chama Sol e que é um reactor de fusão nuclear, porque o que dá o calor do Sol é a fusão dos átomos de hidrogénio para os átomos de hélio. Isso é um processo exotérmico, que produz calor que acaba por chegar cá.
Depois, há outra fonte de calor, radioactiva também, que é a radioactividade das rochas da Terra. No meio desta sanduíche está a Biosfera.
Os materiais com radioactividade na Terra são muito disseminados, o nível de radioactividade não é perigoso. Mas alimenta uma biosfera que se descobriu há muito pouco tempo, a biosfera profunda, feita de micróbios que vivem no interior da crosta. E a energia que eles obtêm é essa energia que vem do interior da terra, não dependem da fotossíntese. É uma história fantástica a da biosfera profunda e das condições em que a biosfera nos fundos oceânicos funciona.

Tem desenvolvido alguns trabalhos nos Açores, a sua investigação tem sido devidamente aproveitada por quem quer fazer a legislação?
Eu fui chamado para assessorar o Governo da Região, no que diz respeito às concessões mineiras e estou com as melhores ligações com o Governo Regional e com as autoridades regionais. E com os colegas açorianos. Corre tudo bem.

E de que forma as concessões mineiras podem ser exploradas em benefício dos Açores?
Agora estou mais envolvido com a mineração submarina. O que dizemos actualmente é que precisamos de estar prontos para a possibilidade de termos de ir lá buscar coisas que fazem muita falta à superfície. Há pessoas que parece que pensam que os telemóveis são fabricados nas lojas, mas não são.
Mas a premência da alta tecnologia é cada vez maior. Hoje em dia ninguém prescinde de ter telemóvel e isso implica gastos de recursos minerais, de metais, muito grandes.
Outra coisa é que lavamos os dentes com minerais, para branquear usa-se titânio, por exemplo. Usam-se micas, uma série de minerais só para lavar os dentes. Os cosméticos são à base de minerais, esfregamos a pele com minerais constantemente. Depois, outros objectos que nos dizem imenso são as máquinas de imagiologia médica, porque para fazer uma TAC, para tirar um raio-X são precisas quantidades muito grandes de matérias-primas minerais.
E mais, queremos uma sociedade com energia verde, energia que não tenha uma pegada de CO2. O que significa que vamos ter uma transferência dos custos, dos materiais críticos, para os metais. Uma torre eólica grande, tem centenas de quilos de metais raros que começam a escassear nos continentes e que possivelmente vamos precisar de ir buscar aos fundos marinhos. Agora, tem que ser muito bem feito, não pode ser feito de qualquer maneira.

Que perigos podem daí advir?
Os perigos é haver interferência com os ecossistemas. Haver custos para o ambiente submarino e não queremos isso. A coisa tem de ser muito bem estudada. Não digo que vamos a correr buscar minérios aos fundos marinhos, o que digo é que temos de estar prontos para o fazer. O que significa estudar os ecossistemas e produzir tecnologias de extracção dos minérios que sejam o menos invasivas possível, que deixem uma pegada, uma interferência mínima e isso está cada vez mais na ordem do dia.

Já chegamos à fase de as indústrias poderem estar interessadas nos mares dos Açores?
Já. Há três empresas que estão interessadas no fundo do mar em Portugal. Mas no mar dos Açores não há ainda nenhuns planos para o fazer. Há uma empresa internacional que vai ser uma das primeiras empresas a explorar os fundos marinhos, mas na Papuásia, do outro lado do mundo, junto a Timor. Eles pediram em tempos concessões no mar dos Açores, mas isso está, digamos, congelado. Não houve concessões, estamos à espera de legislação adequada.

É efectivamente rico o fundo do mar dos Açores?
Isso é a primeira coisa que temos de descobrir, se são efectivamente ricos. Isso é inescapável, temos de inventariar o que temos porque temos quatro milhões de quilómetros quadrados de mar, de fundos marinhos, sob jurisdição portuguesa, e não sabemos ainda o que lá está. Se tem ou não valor. Se calhar estamos aqui a falar em explorar minérios no fundo marinho e o que lá está não se justifica.

Tem de ser feito um estudo…
Tem de ser feito um estudo, e tem de ser feita prospecção e pesquisa. Tem de se investigar os fundos marinhos, por um lado para saber o que lá está de materiais eventualmente com riquezas, por outros para estudar os ecossistemas, para saber as faunas, os animais que lá vivem. Tudo isso.

Mas o projecto da extensão da plataforma continental já não abordou isso?
Abordou mas de uma forma muito preliminar é preciso estudos muito mais aprofundados.

E que outras riquezas tem o mar dos Açores?
Por exemplo, o Banco D. João de Castro é um vulcão submarino, que já foi uma ilha quando foi a principal erupção em 1720. Já foi uma ilha de 200 metros de altura, depois como era piroclastos, gravilha solta, desapareceu. Mas o aparelho vulcânico está até 14 metros de profundidade e não tenho dúvida nenhuma que o Banco D. João de Castro vai ser a décima ilha dos Açores.

Vai haver uma erupção?
Vai haver outra erupção e vai fazer crescer a ilha. Não sei quando. Mas é interessante estudar e perceber, porque o Banco D. João de Castro fica mais ou menos a meio do caminho entre São Miguel e a Terceira, mas suficientemente longe para do ponto de vista das profundidades, gerar um cone independente. Não é mais um pedaço de terra em São Miguel ou na Terceira, será uma ilha que irá nascer. Os americanos têm no Havai uma pequena elevação no flanco de uma das ilhas, que se chama Loihi, que fazem uma mística enorme com aquilo.
Se vivêssemos na América, o Banco D. João de Castro já era uma atracção turística fantástica e eu proponho que se estude bem o assunto e se transforme o conhecimento, que já é muito considerável, coligido pelo Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores e com a colaboração de entidades do continente e estrangeiras. Eu próprio tive a oportunidade de mergulhar a bordo de um submarino nuclear americano no Banco D. João de Castro, até mil metros de profundidade, e aquilo dava um atractivo científico-cultural que podia servir para atrair pessoas. Para fazer visitas.

Está a poucos metros de profundidade…
Está a 14 metros de profundidade e desenvolve-se até mil. Imagine um vulcão em cone, há o topo do vulcão e a tona de água está apenas a 14 metros. O flanco do vulcão está a mais de mil metros até chegar ao fundo.
Aquele Banco está nos mapas e é preciso ter cuidado. Um navio de dimensões consideráveis pode tocar.

Mas terá de ser uma actividade sísmica considerável para fazer nascer esse vulcão?
Neste momento está numa fase adormecida. Mas há muita informação que já se conhece e podia ser utilizado para fazer um observatório, podia-se arranjar maneira das pessoas irem com submersíveis ou, os mais afoitos, de mergulho com garrafas, ao topo do aparelho vulcânico. Há muita coisa a fazer.

Havendo essa aposta turística, seria suportada por turistas com algum poder financeiro…
Claro. É preciso haver algum investimento mas isso prepara-se. Divulga-se a informação em termos que possa ser lida por não especialistas, depois deita-se a semente e espera-se que a planta cresça.

Fonte: Correio dos Açores

Deixe um Comentário