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João Cabeçadas “Portugal deve tirar muito proveito com a Volvo Ocean Race”

João Cabeçadas “Portugal deve tirar muito proveito com a Volvo Ocean Race”

A menos de um mês do regresso da prova a Lisboa, o único português que competiu nela quando se chamava Whitbread World Race recorda as experiências e fala da actual.
Depois de vasta experiência no mar, João Cabeçadas é um elemento precioso na equipa de terra do Alinghi, vencedor das 31ª e 32ª edições da America’s Cup. Em entrevista por escrito, por entre as exigências da intensa actividade, analisa a Volvo Ocean Race a menos de um mês do regresso da prova a Lisboa.

Como recorda as suas experiências na então designada Whitbread World Race, no Esprit de Liberté, no La Poste e no Sun Energy?
A do Esprit, tendo sido a primeira e terminando com a vitória, é mais marcante. Nas duas seguintes já sabia o que ia enfrentar. É sempre uma grande aventura humana, mas já não era novidade. A que mais me marcou foi a primeira. Com tudo o que esperava de bom e com tudo o que temia de mau… Nessas edições da regata ainda não havia áreas de exclusão para nos manter fora das zonas de icebergs. Na segunda etapa passávamos mil milhas a Sul do Cabo da Boa Esperança e ainda rumo a Sueste. A busca pelo trajecto mais curto e pelo vento mais forte levava-nos a procurar sempre uma latitude mais alta. Durante dias navegávamos a pouco mais de 100 km do ‘pack ice’ (é onde se deixa de ver bocados de gelo mas sim todo o mar gelado. Em termos práticos o ‘pack ice’ é onde se trocaria o barco por um trenó puxado por cães…). E esta é uma das grandes diferenças em relação às edições recentes.

Que outras comparações/diferenças podem estabelecer-se com as condições actuais?
Já mencionei as exclusões de gelo que, por exemplo, na etapa que terminou em Itajaí limitavam a maioria do Oceano Pacífico a 50 graus de latitude, onde antes passávamos por 61 graus. Esta condição torna a regata mais segura, mas limita o “campo de jogo”, como se pôde ver nesta etapa em que os barcos faziam constantemente “ricochete” na zona de exclusão, obrigando-os a cambar mais de 25 vezes por dia na tentativa de não perder muita latitude. Outra das diferenças é que a maior parte da regata é passada em latitudes baixas, cruzando várias vezes o Equador, antes a regata era praticamente dar a volta à Antártida. Torna-se uma regata essencialmente de vento fraco. Outra diferença é a classe One Design introduzida nesta edição. Tem sido praticamente uma regata à vista dos adversários!

Para lá dos conhecimentos náuticos, quais são as características que um velejador deve reunir para competir na Volvo Ocean Race?
Em primeiro lugar deve ter um carácter compatível para viver durante um mês de etapa e nove meses de regata na companhia e promiscuidade da tripulação. É indispensável que cada indivíduo tenha conhecimento profundo do seu barco e dos seus sistemas, sendo alguns deles especializados nos diversos departamentos: velas, cabos, enxárcia, compósitos, hidráulica, gerador, electricidade, electrónica… Como se tem visto, os sistemas falham e é preciso repará-los a bordo e com os meios de bordo, durante a etapa.

Tendo em conta a sua experiência, com 16 travessias do Atlântico, três do Índico e duas do Pacífico, quais são os pontos mais exigentes da prova actual?
Na 1ª etapa: aproximação à Zona de Convergência Intertropical para passar as calmas na zona menos desfavorável; nas 5ª e 7ª etapas: Manter o barco inteiro – para chegar em primeiro, primeiro é preciso chegar…

Em Fevereiro falou na ideia de haver mais portugueses envolvidos, nomeando o caso de Renato Conde que integra a equipa de terra do MAPFRE: além deste, que outros casos de velejadores portugueses poderiam estar nas tripulações da prova?
Sem sombra de dúvida o Pedro das Neves que, além de ser experiente neste tipo de barcos, tripulações e provas, é um dos raros membros do exclusivo D’Orelhas Sailing Team. Para ser tripulante na prova é necessário querer fazê-la. Posso dizer uma série de nomes que sei que reúnem as condições para serem tripulantes, mas os quais não sei se a querem fazer. Como o Nuno Barreto, o Vitor Pinho, o Hugo Rocha, o Bernardo Freitas, o Diogo Cayolla, o José Cunha e outros. De qualquer maneira, a tripulação nunca é só de uma única nacionalidade. Uma tripulação portuguesa teria necessariamente estrangeiros. Assim como os nomes que disse podem integrar tripulações estrangeiras, como foi o meu caso.

Fernando Medina já rendeu António Costa na liderança da Câmara e assumiu a vontade de Lisboa ser sede da competição. Isso parece-lhe viável?
Sim.

Que importância económica e no plano da visibilidade internacional assume a passagem da prova por Portugal, num contexto em que o País tem atraído cada vez mais turistas?
Não percebo de economia. O que sei é que nunca tinha ouvido falar em cidades como Qingdao ou Sanya. E, depois de a regata ter passado por lá, não só fiquei a saber que existiam como até já lá fui fazer regatas. Encontrei lá uma grande actividade náutica, com uma data de regatas nacionais e internacionais por ano. O que quero acrescentar é que, se eles conseguiram criar tanta actividade de vela e tirar tanto proveito de um local que considero perfeito para NÃO velejar, então Portugal, que é perfeito para navegar, deve poder tirar muito proveito.

Acredita que será possível haver um barco português algum dia nesta competição? Quais são as condições imprescindíveis para isso?
Sim. As condições imprescindíveis: haver o financiamento; o financiamento ser a tempo para não ter de fazer uma preparação a correr; o financiamento ser para várias edições e, dessa forma, haver uma progressão.

Fonte: Económico

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