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Novo terminal de Lisboa na rota dos cruzeiros – entrevista a João Luís Carrilho da Graça

Novo terminal de Lisboa na rota dos cruzeiros – entrevista a João Luís Carrilho da Graça

O Terminal de Cruzeiros de Lisboa foi projectado como um pequeno aeroporto, com a zona de chegadas no piso inferior e a de partidas no piso superior, configurando um projecto de grande simplicidade e multifuncional que contribuirá certamente para aumentar a atractividade da cidade enquanto destino de cruzeiros, afirma o arquiteto João Luís Carrilho da Graça, autor do projecto.

 

Tem em mãos dois grandes projetos para Lisboa. O novo Terminal de Cruzeiros de Lisboa e a requalificação do Campo Das Cebolas/Portas do Mar. Como surgiram?

O projeto do Terminal de Cruzeiros de Lisboa surgiu na sequência de um concurso público internacional muito participado lançado pela Administração do Porto de Lisboa e pela Câmara Municipal de Lisboa, em 2010. Dois anos mais tarde foi lançado o concurso Campo das Cebolas/Portas do Mar – devo dizer que privilegio a designação Portas do Mar, uma vez que o Campo das Cebolas corresponde apenas a uma pequena área.

No que concerne ao Terminal de Cruzeiros de Lisboa, estou a trabalhar com a Lisbon Cruise Terminal, uma empresa que congrega diversos operadores turísticos de diferentes países e que, depois do lançamento de um concurso de concessão, está agora a realizar a obra. No Campo das Cebolas/Portas do Mar, a obra está a ser desenrolada pela EMEL, em colaboração com a autarquia da cidade.

Como descreve o trabalho em curso sobre requalificação? Qualquer uma destas duas intervenções vai mudar intensamente a cidade de Lisboa naquela área. Em relação ao Terminal de Cruzeiros a minha intenção, logo desde a fase de concurso, foi criar es- paços e possibilidades que tivessem tanto a ver com o programa e a funcionalidade dos cruzeiros como com a própria cidade. Nesse sentido todo o espaço disponível da área de intervenção está a ser transformado num parque verde urbano, que contempla uma zona destinada ao estacionamento de autocarros quando necessário e que noutras oca- siões pode ser fruída de forma diferente pelo público. O próprio edifício foi também muito pensado para, por um lado, cumprir o programa que nos foi apresentado e, por outro lado, possibilitar a realização de atividades como, por exemplo, exposições e concertos nos tempos mortos da atividade principal, ou seja o Cruzeirismo.

Quanto ao Campo das Cebolas/ Porta do Mar, o conceito subjacente à nossa participação no concurso parte do princípio que historicamente a cidade termina no plano onde se encontra a Casa dos Bicos/Fundação Saramago. Corresponde, grosso modo, ao plano da muralha e ao ponto em que aquela encosta toca nos aterros que vão até ao rio. A cidade terminava aí. Depois havia um campo de feiras ligado ao porto, que teve uma utilização muito intensa. Neste contexto pensamos que seria interessante criar um espaço relativamente vazio, mas com árvores e suscetível de permitir a realização de uma série de iniciativas para utilização intensa e diferente do Terreiro do Paço, com um sentido prático e quotidiano, apresentando uma leve inclinação virada para a cidade e para a zona da Casa dos Bicos. Acresce a construção de um parque de estacionamento semienterrado, com ligações muito fáceis à superfície, virado para a cidade e com vista sobre o rio.

 

A requalificação permitirá revelar novas panorâmicas da cidade?

Acredito que sim. Quando comecei a pensar no concurso fui até ao Castelo de São Jorge e desci a pé até ao Miradouro das Portas do Sol. Olhei para a zona da doca e para o espaço onde ia ser construído o novo Terminal de Cruzeiros de Lisboa e pensei que seria interessante contrapor o anfiteatro natural que é Alfama a um outro espaço com um olhar quase inverso virado para a cidade. O projeto que apresentei contempla precisamente essa dualidade – a partir do edifício do Terminal é possível admirar o rio e a cidade. No entanto, a escala enorme dos atuais navios de cruzeiros faz-nos pensar que os protagonistas não serão tanto nem o parque nem o edifício, mas sim a cidade, que nesta zona é, como todos bem sabemos, lindíssima. Para além da vista magnífica que assim é proporcionada aos cruzeiristas, referenciada como um enorme fator de atratividade de Lisboa, acresce o facto de o ponto de atracação dos navios situar-se muito próximo do centro da cidade, com todas as vantagens daí decorrentes.

 

Durante as escavações foram postas a descoberto algumas “relíquias” do passado. Quais destaca e de que modo foram, eventualmente, integradas na requalificação da zona?

O que encontramos nestas escavações – grande parte esperávamos – é muito interessante. Por exemplo, descobrimos um muro enorme que não está registado em nenhuma das cartas conhecidas, enquanto os dois muros principais do cais e uma escada grande lindíssima estavam e, por isso mesmo, já os esperávamos. Os muros foram integrados no parque de estacionamento e numa zona museológica anexa, enquanto as escadas foram transformadas num espaço de auditório, onde poderão ser realizados pequenos espetáculos. Deste modo os elementos  ficam integrados precisamente no local onde se encontravam, sendo que todas as pedras postas a descoberto durante as escavações e que não têm valor arqueológico são utilizadas no âmbito do projeto. O pavimento será assim composto por pedras antigas e por outras novas, o que intensifica a relação entre o passado e o presente, a cidade e a sua História.

 

PROJETADO COMO UM PEQUENO AEROPORTO

Voltando ao Terminal de Cruzeiros, que particularidades destaca no desenrolar da obra?

O Terminal de Cruzeiros de Lisboa foi projetado como um pequeno aeroporto, com a zona de chegadas no piso inferior e a de partidas no piso superior. Por exemplo, no início, quando começamos a trabalhar no projeto, há seis anos, as preocupações com a segurança tinham enfoque, sobretudo, no universo a bordo dos navios. Porém, com o desenrolar do projeto foram sendo contemplados diversos outros aspetos relacionados com a segurança como a instalação de dispositivos de Raios X, semelhantes aos existentes nos aeroportos. Não obstante as alterações que naturalmente foram surgindo num projeto com estas caraterísticas e dimensão, o novo Terminal de Cruzeiros de Lisboa continua a revelar-se como uma infraestrutura de grande simplicidade, que funciona com um coberto a partir do qual os cruzeiristas chegam e partem.

 

O que falta fazer para concluir o projeto?

A obra está a desenrolar-se a um ritmo bastante razoável e penso que por volta de abril do próximo ano poderá ficar concluída ou quase. A estrutura está praticamente terminada, faltando apenas os alçados que, na verdade, são muito interessantes. Vão ser construídos com betão branco com incorporação de cortiça, o que significa que são muito mais leves, mantendo-se, no entanto, como betão estrutural, correspondendo, assim, às questões de resistência que se colocam ao alçado. Esta opção teve a ver com o facto de o sistema de fundações já existir quando começamos o projeto e de apresentar uma capacidade de carga relativa. Por isso, para não termos que fazer um alçado aligeirado, desenvolvemos esta ideia do betão branco.

 

Quais são os principais serviços que o novo terminal oferecerá?

São poucos, porque a atividade dos cruzeiros centra-se muito, como é sabido, nos próprios navios. Para meu espanto, no início nem ha- via lojas, apenas uma farmácia e correios, a que se juntou depois uma pequena área comercial, contrariamente ao que estava à espera. Pensei que ia sofrer uma forte pressão para criar grandes áreas comerciais, mas a lógica não é essa.

O novo Terminal contempla assim uma alfândega, como naturalmente se pode imaginar, para além dos escritórios da Lisbon Cuise Terminal, uma cafetaria e eventualmente mais tarde poderá ser instalado um restaurante na cobertura, a qual proporciona uma vista fantástica. Acresce um pequeno auditório exterior que faz parte do edifício e que pode ser utilizado em paralelo com o funcionamento do Terminal.

 

A LISBOA DE CARRILHO DA GRAÇA

Como vê Lisboa, quer como arquiteto quer como cidadão?

Primeiro há que dizer que gosto muito da cidade. No ano passado convidaram-se para fazer uma exposição no Centro Cultural de Belém, que se prolongou até ao início deste ano e escolhi Lisboa como tema. Para além de alguns dos meus trabalhos na capital, a exposição incluiu uma mostra sobre a cidade. Foi, por assim dizer, uma partilha da minha visão sobre a cidade. Lisboa constrói-se num território com uma topografia a muito ondular, quase barroca e, por isso mesmo, qualquer infraestrutura que se queira fazer ou remodelar nesta zona mais antiga da cidade junto ao rio, por mais simples que pretenda ser, acaba por ser sempre muito complexa devido à sua relação com o terreno. Esta caraterística está subjacente ao caráter da cidade, sempre muito complexo, mas simultaneamente repleto de surpresas e apontamentos fantásticos. Neste contexto, o Castelo de São Jorge é o ponto mais destaca- do, depois temos a Baixa Pombalina, os dois vales e o Campo de Sant’Ana. Todo este sistema tem uma relação muito direta com a topografia a e com as ligações ao interior, acabando por se revelar permanente ao longo de toda a História. Em suma, a cidade desenvolve-se em diálogo com estas linhas que estruturam a paisagem desde o início. Por outro lado, o estuário do Tejo, que é extensíssimo e maravilhoso, associado à pedra que todos nós conhecemos, cria uma luminosidade muito particular, dando origem à cidade extraordinária onde vivemos.

Fonte: Turismo de Lisboa

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