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O encalhe do “Mestre Simão”

O encalhe do “Mestre Simão”

O dia 6 de Janeiro de 2018 ficará na nossa memória colectiva por ter sido o dia em que o excelente ferrie “Mestre Simão” encalhou, logo após passar, a entrar, os dois molhes do porto da Madalena.

Todos nós sentimos este grave acidente marítimo como uma situação muito triste e muito nossa, muito ligada à nossa vida de todos os dias. Sentimos esta situação como se tratasse de “um sério problema de família”.

O desastre foi muito grave e, no momento em que registo estas opiniões, não se sabe ainda se o navio poderá ser, ou não, recuperado. Entretanto, o facto das 70 pessoas que se encontravam a bordo terem sido retiradas do navio com muita eficiência e rapidez e todas com saúde, gerou um natural contentamento que, de algum modo, compensou a tristeza profunda que as noticias, as imagens difundidas do navio encalhado ou vistas directamente, geraram.

Gostaria de referir, em primeiro lugar, o excelente comportamento que todos os 9 tripulantes do navio souberam ter, promovendo, com método e competência, a retirada de todos os passageiros, mal verificaram que o navio encalhado tinha estabilizado suficientemente e que a situação permitia o uso do costado de bombordo como local seguro de flutuação da balsa e embarque das pessoas.

Um pedido feito pela RTP/Açores ao Clube Naval da Horta (CNH), menos de uma hora depois do encalhe, para colocar na Madalena um operador de imagem e algum equipamento, motivou que eu e o Armando Oliveira, com o operador de imagem João Silva, tivéssemos ido no “Piloto João Lucas” à Madalena, onde chegámos pelas 10H45. Embora já tivéssemos sido informados que toda a gente estava salva, o que nos tinha alegrado, a imagem do navio encalhado, logo depois da piscina, com o alarme da rampa da ré a tocar, era desoladora e gerava uma autentica dor.

Posso testemunhar que, na hora em que o “Piloto João Lucas” cruzou os dois faróis da barra do porto Madalena, o mar de noroeste, vindo de muito longe em grandes e espaçadas vagas, era muito intenso e muito forte. Quando saímos do porto, uns 40 minutos depois, o mar estava um pouco mais brando, mas mesmo assim forte.

Não quero hoje fazer qualquer especulação sobre as causas directas deste grave e triste acidente marítimo, mas quero deixar algumas opiniões gerais, que reputo de importantes.

Sendo assim, penso, em primeiro lugar, que a introdução, neste tráfego marítimo, destes dois ferries (o “Mestre Simão” e o “Gilberto Mariano”) de 40 metros de comprimento, 10,75 metros de boca e 748 TAB, foi um salto positivo no transporte marítimo açoriano, quer pelos fluxos de passageiros que permite fazer circular nas ilhas do triângulo (Faial, Pico e S, Jorge), quer pela criação de condições para o transporte de viaturas a acompanhar passageiros. Estas inovações, maior oferta de lugares e possibilidade de transportar viaturas comerciais e particulares, foram muito positivas e contribuíram (e continuarão a contribuir) para que as chamadas ilhas do triângulo se desenvolvam com harmonia, nos planos económico geral, turístico e social e se possam constituir como um pólo mais forte do desenvolvimento regional.

Em segundo lugar penso, com muita clareza e desde o inicio deste processo de inovação, que as adaptações nas infraestruturas portuárias feitas para possibilitar a operação normal destes novos navios, não foram todas bem-sucedidas e penso que houve sérias omissões no estudo prévio da relação entre a utilização dos portos e a manobra dos navios. Acho mesmo que o muito dramático caso do rebentamento de um cabeço de amarração no Cais do Pico, que provocou a morte de um passageiro, demonstrou, sem que se pensasse nisso antes, que era necessário abandonar formas de amarrar que se utilizavam com os “Cruzeiros” e adoptar outras, adequadas à dimensão e características dos novos navios.

Em terceiro lugar acho que o porto da Madalena é um caso particular, no contexto das ilhas do triângulo, pois é um porto exposto ao mar de noroeste, que muitas vezes vem de longe em grandes vagas, e está implantado numa costa baixa, com um acesso estreito, definido por uma faixa de maior profundidade, que os antigos designavam por “caneiro”.

Juntando estas três opiniões concluo que, sem prejuízo de toda a investigação que tem que ser feita sobre as causas directas deste acidente, é necessário e urgente ser feito um claro e bem informado debate sobre a operacionalidade dos portos, sobre as suas limitações e sobre as regras e limites de utilização que, eventualmente, necessitem de ser introduzidos em determinados casos. As conclusões desse debate são fundamentais para que se possam fazer juízos justos e assegurar, no futuro, toda a segurança, no quadro da utilização dos meios existentes.

Horta, 7 de Janeiro de 2018
José Decq Mota

Foto:  © João Silva

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