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Viriato Soromenho-Marques: “Vão aumentar os riscos para os açorianos de fenómenos meteorológicos extremos”
Viriato Soromenho-Marques é um dos participantes do Simpósio dedicado à “Ética, Ciência, Sociedade: Desafios da biopolítica”, que se realiza no próximo dia 24 no Laboratório Regional de Engenharia Civil, coordenado pela Professora Maria do Céu Patrão Neves. Nesta entrevista, Soromenho-Marques concilia a sua dimensão universal, nacional, regional e local da defesa do ambiente com o seu sentido de humanização das sociedades. E os mais atentos conseguem colocar à dimensão açoriana as abordagens que faz em termos universais e do país.
Correio dos Açores Quais as inovações tecnológicas que considera protagonizarem “a maior ameaça ambiental ao futuro”? Estarão já, como temas prioritários que são, na agenda do planeta, da União Europeia e do Governo português? Que importa fazer neste sentido?
Viriato Soromenho-Marques As ameaças resultantes da inovação tecnológica são directamente proporcionais ao ritmo vertiginoso dos novos produtos e materiais que são colocados no mercado, numa lógica que não é a da segurança e prevenção do risco, mas fundamentalmente a da rendibilidade do capital investido. Mesmo na União Europeia, a capacidade de submeter a análise de risco os novos produtos, no sector químico por exemplo, é muito menor do que a velocidade da sua chegada aos consumidores. Normalmente, entre as inovações associadas a riscos potenciais, elencam-se as biotecnologias, em particular os organismos geneticamente modificados (OGM), e também as nanotecnologias. Contudo a maior ameaça ao futuro é representada pelos gestos quotidianos que todos realizamos usando para a produção, construção, aquecimento e transporte, antiquíssimas tecnologias energéticas dos séculos XVIII e XIX, baseadas na queima de combustíveis fósseis. É essa a força motriz que está na raiz das alterações climáticas, isto é, de uma verdadeira modificação ontológica do Planeta. Se estudarmos com atenção os relatórios sobre o estado ambiental do planeta, verificaremos como as alterações climáticas atravessam quase todo o espectro das questões ambientais. Elas ameaçam a biodiversidade, a qualidade dos solos e a produtividade agrícola, alteram profundamente a estrutura química da atmosfera e dos Oceanos. Se não soubermos responder às alterações climáticas, iremos destruir as condições sociais, institucionais e económicas da própria inovação tecnológica.
CA Que análise faz aos motivos que estarão na origem dos “atrasos, omissões, negligências e notórias ausências de financiamento no processo de investigação e estudo” do tema das alterações climáticas?
VSM A investigação científica, salvo nas questões do armamento e exploração espacial, é um assunto que cai predominantemente na esfera do mercado, e por isso entra num ciclo de negócios onde o cuidar do futuro não é sequer tema. As políticas públicas são muito débeis, e os financiamentos públicos ainda mais. Repare-se que hoje, até mesmo para as tarefas de ensino, o padrão dominante nas próprias universidades públicas é o do co-financiamento. Para a investigação, a situação ainda é pior. Uma coisa tão importante como saber medir com rigor a concentração de dióxido de carbono na atmosfera só teve lugar no início da década de 1960, no âmbito dos modestos recursos do projecto de pós-doutoramento de Charles Keeling. Para o bigmoney da bigscience, isso era irrelevante… O estudo das alterações climáticas ganhou espaço na agenda de investigação, apenas porque se transformou num problema estratégico de segurança nacional e global. Mas para isso acontecer foi necessário vencer os poderosos interesses instalados da energia fóssil e nuclear. Esses interesses privados, e de curto prazo, capturaram uma parte do sistema político, sendo o caso dos EUA o mais dramático exemplo da sua capacidade de condicionar negativamente o destino dos povos.
CA Que razões justificarão, em sua opinião, a “lentidão da construção de um “paradigma” científico em torno do tema das alterações climáticas?
VSM Thomas S. Kun, no seu ensaio de 1962 sobre a A Estrutura das Revoluções Científicas, explica bem o lento e complexo processo da formação de paradigmas. Para além da venalidade de alguns cientistas que estão na folha de pagamentos de agências de comunicação, subsidiadas pelo lóbi dos combustíveis fósseis, o obstáculo estrutural reside no facto de que a Academia está profundamente dividida em áreas disciplinares, que às vezes parecem mimetizara ausência de diálogo entre os ministérios de um mesmo governo. Apesar da retórica da interdisciplinaridade, a verdade é que se encontra mais facilmente financiamento para projectos monodisciplinares, e de preferência ligados a aplicações comerciais.As alterações climáticas colocam em causa de modo brutal crenças, barreiras epistémicas, e inclusive o modo como os cientistas se habituaram a ser portadores de boas notícias. Infelizmente, o dever contemporâneo da ciência é, em grande medida, o de ser capaz de denunciar e caracterizar as ameaças globais, sem cair no destino de Cassandra.
CA Considera urgente reconhecer a significativa incapacidade manifestada, até hoje, pelas ciências sociais e humanas para assumirem um compromisso mais activo e estratégico com a problemática ambiental, nomeadamente com as alterações climáticas. Esta incapacidade pode levar a que resultados? Ou, pelo contrário, considera que a reflexão ética tem desempenhado algum papel significativo na orientação das políticas ambientais, até por força da pressão dos cidadãos?
VSM O atraso das ciências sociais e humanas em relação à crise global do ambiente e do clima é uma realidade trágica. Em muitos casos, reina uma verdadeira iliteracia em relação a conceitos básicos. Particularmente enervante é escutar colegas de economia, direito, ciência política ou psicologia falarem sobre as alterações climáticas, como se tal fosse assunto exclusivo para físicos, biólogos e climatalogistas. Como se não fosse uma tarefa fundamental das ciências sociais e humanas contribuir para o direito, a economia, a estrutura política, e até a saúde mental em sociedades cada vez mais atingidas pelos danos do ambiente e as disfunções climáticas…
CA Que normativas biopolíticas serão mais urgentes para a preservação ambiental?
VSM Aqui a biopolítica, às vezes demasiado colada ao sentido que lhe foi conferido por M. Foucault em 1979, obedece aos princípios da ecopolítica (na acepção que defini para esse conceito num texto de 1991): todas as acções que contribuam para a sustentabilidade da nossa habitação planetária, para a redução da pegada ecológica e dos impactos ambientais negativos devem ser estimuladas. Isso significa, menos consumo de matérias-primas, menos produção de resíduos, descarbonização total da energia, em favor das renováveis, e a criação de um largo consenso em torno de uma ética da frugalidade e do respeito pela diversidade biológica, paisagística e cultural.
CA As alterações climáticas que impactos poderão ter em Portugal no futuro? E de que forma Portugal já se deveria estar a precaver para mitigar estes impactos?
VSM Para Portugal continental o futuro não parece promissor. Estamos, com a Espanha, numa área europeia que pode transformar-se, em grande medida, num deserto ao longo do próximo século. As consequências em matéria de ecossistemas, segurança alimentar e stresse hídrico são gigantescas. Os megaincêndios deste Verão antecipam o que nos acontecerá se não reordenarmos o território. Se juntarmos a isto a inevitável subida do nível médio do mar (NMM), que fustigará o litoral onde temos a maior parte da população e dos activos económicos, não é difícil perceber que Portugal corre o risco de perder as bases ecológicas da sua viabilidade como Estado e nação. Todas as políticas públicas até agora desenhadas estão muito longe de serem suficientes.
CA Como sabe, o Governo dos Açores colocou em discussão pública um Programa para as Alterações Climáticas que aponta a necessidade de implementar uma série de medidas que reduzem os seus impactos futuros. Em sua opinião, os Açores, enquanto região insular e arquipelágica, devem estar mais preocupados com que impactos das Alterações Climáticas?
VSM O projecto SIAM (2006), coordenado por Filipe Duarte Santos, que visava projectar o futuro climático português até final do século XXI, apontava para cenários climáticos nos Açores, em particular São Miguel e Terceira, caracterizados pelo aumento da temperatura média de 1-2ºC, com o incremento da precipitação, concentrada contudo em menor número de meses. Precisamos de investigar mais, mas, embora menos severos do que os cenários continentais, os Açores sentirão, com alta probabilidade, aumentar os riscos para as populações decorrentes do aumento de fenómenos meteorológicos extremos, incluindo a passagem de furacões. O PRAC parece-me ir no sentido correcto, incluindo no seu âmbito praticamente todas as áreas relevantes de política pública.