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Na Gestão de Pescas, os Humanos também são parte do Ecossistema!!!!

Na Gestão de Pescas, os Humanos também são parte do Ecossistema!!!!

Existe actualmente uma confusão generalizada sobre os conceitos de gestão de recursos naturais, com uma proliferação dos conceitos de Gestão Baseada no Ecossistema, Gestão Ecossistémica, Gestão Integrada, etc.

Ao nível da Gestão das Pescas, no entanto, o principal elemento-guia da gestão, e a base da Gestão Pesqueira em geral, é a Aproximação de Ecossistemas às Pescas (Ecosystem Approach to Fisheries – EAF), desenvolvida pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). A EAF é considerada em geral a implementação prática do Código de Conduta para Pescarias Responsáveis (CCPR) na área da Gestão de Pescas, e como tal tem vindo a ser adoptada por grande número de países como o enquadramento preferencial para o sistema de gestão das pescas. O principal documento de diretrizes sobre a EAF é a publicação da FAO Fisheries Management – 2. The Ecosystem Approach to Fisheries, integrada na série das Diretivas Técnicas da FAO para Pescarias Responsáveis, que visam clarificar a implementação do CCPR.

Mas o que é, na verdade, a EAF? Contrariamente a crenças algo espalhadas, a EAF não é nada de revolucionário, nem uma “alternativa” à Gestão de Pescas “tradicional”, tal como tem vindo a ser praticada na maior parte dos países e Organizações Regionais e Internacionais dedicadas à Gestão das Pescas, mas corresponde, isso sim, a um alargamento do domínio da Gestão para incorporar explicitamente um conjunto de factores que até ali eram ou negligenciados ou incorporados implicitamente e de forma “subterrânea” nas decisões de Gestão de Pescas. Assim, por um lado, alarga-se o alvo da gestão para incluir não apenas as espécies-alvo da pesca, mas todos os organismos que são ou podem ser capturados ou afectados pela pesca, e a componente “natural” do ecossistema, e por outro, incorpora-se de forma explícita a componente económica, social e institucional da pesca, ou seja, a dimensão “humana” do mesmo ecossistema. Não é portanto uma alternativa à Gestão de Pescas tradicional, mas uma expansão e alargamento da mesma. De facto, como é claramente explicado na publicação Aplicação prática da abordagem ecossistémica às pescas (FAO, 2013), o objectivo da Aproximação de Ecossistemas às Pescas, é planear, desenvolver e gerir as pescas de modo a satisfazer as múltiplas necessidades e desejos das sociedades, sem pôr em perigo as opções das gerações futuras para que possam beneficiar da completa variedade de bens e serviços fornecidos pelos ecossistemas marinhos.

O foco da EAF, portanto, continua a ser, como no caso da Gestão de Pescas “Tradicional”, o benefício para os humanos, alargando no entanto a definição desse benefício para lá do volume total de capturas, para incluir “a completa variedade de bens e serviços fornecidos pelos ecossistemas marinhos”.

Um outro elemento essencial da EAF, como implementação prática do Código, e em linha com os outros instrumentos de gestão de recursos da FAO, é que no conceito de “Ecossistema”, e contrariamente a muitas outras utilizações do termo, cabem os Humanos, sejam eles Pescadores, Comerciantes de Pescado, Conservacionistas ou simples apreciadores de um bom carapau grelhado. Este reconhecimento de que a espécie humana, e em particular as pessoas que vivem em estreito contacto, muitas vezes directamente dependentes, do ambiente marinho e dos seus recursos naturais, são uma parte directamente integrante do Ecossistema Aquático, e devem participar (de diferentes modos) na tomada de decisão sobre a Gestão das Pescas, é um dos principais traços distintivos da Aproximação de Ecossistemas às Pescas, como desenvolvida e adoptada pela FAO.

Aliás, o tema da dimensão humana da EAF é abordado em vários documentos da FAO, como o Documento Técnico Human dimensions of the ecosystem approach to fisheries: an overview of context, concepts, tools and methods, ou o documento Diretivas Técnicas da FAO para Pescarias Responsáveis No. 4, Suppl. 2, Add. 2, sobre as Dimensões Humanas da Aproximação Ecossistémica às Pescas.

Desta forma, a Gestão “Ecossistémica” readquire o seu significado mais completo, uma gestão da actividade humana nos Ecossistemas Aquáticos, em que a Pesca, e outras actividades humanas, são vistas como uma parte integrante do mesmo ecossistema.

Claro que estamos ainda no início de um processo de transformação da gestão das Pescas, e da forma como é vista no sistema geral de gestão de Recursos Naturais, tanto nos países desenvolvidos como naqueles em desenvolvimento.

No entanto, a EAF, ao exigir que sejam consideradas simultaneamente, e a par, as três dimensões da sustentabilidade, Ecológica, Económica e Social, vem colocar a gestão Ecossistémica das Pescas no patamar da Gestão Integrada de toda a actividade Humana, salientando que a manutenção do equilíbrio dos sistemas alimentares humanos, de que a Pesca é uma parte por vezes negligenciada, depende simultaneamente de um sistema natural saudável e equilibrado, de um sistema de gestão participativo, em que todas as partes interessadas possam fazer ouvir a sua voz, e de um grau aceitável de equidade na distribuição dos benefícios da exploração e dos custos das medidas de gestão, numa perspectiva de manutenção do equilíbrio social, tantas vezes ameaçado pelo crescimento económico ou pela falta dele.

A EAF fornece assim, a todas as organizações, Governamentais ou Não-Governamentais, com interesse nas Pescas, seja na vertente de conservação do sistema natural, ou na da defesa da equidade social, uma fundação sólida para desenvolver o seu trabalho e cooperar de forma equilibrada, numa perspectiva de contribuir para um sector das Pescas sustentável nas três dimensões da sustentabilidade, a Ecológica, a Económica e a Social. Apenas a plena participação de todas as partes interessadas, incluindo das ONGs com interesse no sector, permitirá criar um sistema de gestão verdadeiramente participativo, que represente a sociedade no seu todo equilibrado, como exigido pela EAF e pelo CCPR.

Autor: Pedro de Barros

Funcionário Superior de Recursos Pesqueiros

Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura

As posições e opiniões expressas neste artigo são as do autor e não refletem a posição oficial da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO)

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