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“Não é verdade que os intermediários fiquem com a maior fatia do preço do pescado em São Miguel”

“Não é verdade que os intermediários fiquem com a maior fatia do preço do pescado em São Miguel”

O comerciante de pescado, Milton Moniz, de 41 anos, negou ao Correio dos Açores que sejam os intermediários de pescado a ficar com a ‘maior fatia’ do preço do peixe vendido no mercado de São Miguel. Milton Moniz aceitou dar uma entrevista ao Correio dos Açores, no mercado da Graça, em Ponta Delgada, junto à sua banca de venda de peixe onde considerou a liberalização de pescado “uma ilusão” porque, em seu entender, as percentagens que coloca sobre o preço do peixe adquirido na lota têm em conta os custos implícitos, sobretudo em ordenados dos seus 150 trabalhadores, e o poder de compra dos consumidores. O comerciante refere que o peixe é mais caro nas grandes superfícies comerciais e não concorda que os pescadores sejam os que ganham menos com o peixe. Incentivou, a propósito, o jornalista a ir ver os carros e as casas de alguns pescadores. Uma entrevista em que Milton Moniz procura desmistificar a noção de que a maior parte do dinheiro do peixe vai para os intermediários.

Correio dos açores  Houve-se muito dizer que os comerciantes são os que ficam com a fatia maior do preço do peixe que chega ao consumidor. É verdade?
Milton Moniz (comerciante de pescado)  Não senhor. Se formos ver as estatísticas do peixe, verifica-se que, de ano para ano, pesca-se muito menos toneladas de peixe e o preço do peixe sobe na lota. As quotas de pescado são cada vez mais reduzidas. Os tamanhos do peixe pescado são mais pequenos. E há regras no peixe: Não se pode pescar peixe com certas medidas. Inclusivamente, há medidas para o goraz, para a boca negra, para o peixão, entre outros. E este controlo de medidas faz com que os pescadores não se desloquem para as zonas de pesca onde o peixe é pequeno. Vão para outras zonas e apanham menos quantidades.
Outro dado importante é que o preço do valor do peixe na lota, entre 2016 e 2017, subiu dois euros. Portanto, o intermediário não ganha como se diz. Quem ganha mais são as grandes superfícies comerciais. Eu vendo o peixe a uma superfície comercial com a minha margem. E a grande superfície vende o peixe colocando a sua margem. São duas margens, uma em cima da outra.

CA  Está a dizer que o preço no Mercado da Graça é mais barato…
MM  Muito mais barato. Comprei este peixe na lota. Posso ganhar aqui 50 cêntimos a 60 cêntimos por quilo.

CA Está ciente que, neste momento, há pessoas que não conseguem chegar a estes preços do peixe?
MM  Sim, estou ciente disso. Mas o problema não se coloca na questão do preço do peixe. É a questão de que há muitas pessoas que ganham pouco.
Vou dar-lhe um exemplo: Estou a vender espécies nobres aqui a 10 euros o quilo que, em Lisboa, não compra por menos de 23 a 24 euros o quilo. A grande questão é que se ganha pouco nos Açores. Não é a questão do peixe ser caro. O preço já sai caro na lota.
Vou dar-lhe outro exemplo: A boca negra foi vendida na lota de Ponta Delgada a 10 euros. Se colocar uma margem de 20%, aqui já o vendo a 12 euros. E não estou a contabilizar os ordenados dos empregados, pagar gelo e pagar a taxa de lota.

CA Com o preço livre, pode aplicar a percentagem de ganho que quiser…
MM  Mas, que me interessa estar num regime de preço livre se não consigo vender. Se eu pudesse vender o encharéu a 5 euros o quilo, eu não tinha encharéu em cima da mesa. A venda é livre, podia vender a 5 euros e vendia tudo.
O facto de a venda ser livre é uma ilusão. Eu se puser o meu peixe a 9 euros o quilo, aquele meu colega vai colocar o mesmo peixe a sete euros o quilo  e eu tenho que colocar o meu peixe ao preço dele.
Na venda livre há aquela ilusão de se comprar a 2 para se vender a 10. Não é bem assim. Se eu colocar o peixe a 10 euros ninguém me vai comprar. Pode até haver uma espécie em que apenas tenha dois quilos de peixe e posso aproveitar esta margem. Mas isso pode acontecer num quilo ou dois. Mas, em quantidades, não podemos fazer isso porque, assim, não vamos conseguir vender porque aqui não há poder de compra.

CA Está ciente de que os pescadores ganham pouco em todo este processo?
MM  Não, pelo contrário, eles ganham muito. A Imprensa é que não nota o quanto eles ganham. O que me pode dizer é que eles já não ganham tanto porque já não apanham tanto peixe.
O senhor sabe uma coisa dos pescadores? Ouve-se muito que os pescadores ganham pouco. Veja que casas têm os donos dos barcos? que carros têm? E que vida levam…

CA Mas o pescador base…
MM  Os pescadores que o senhor fala, que são a base, são os companheiros daquele pescador que tem tanto.

CA Está-me a dizer que o dinheiro está mal distribuído a bordo?
MM  Está claro. As despesas da embarcação são distribuídas por toda a tripulação. Depois, no lucro, o armador tem 20 vezes e o senhor, enquanto pescador, tem cinco. Os pescadores  são pobres é de espírito.
Outro exemplo. Esta semana houve pouco chicharro. Os chicharros foram caros na lota. Cada pescador levou para casa à volta de 50 euros por dia. Mas eles não se lembram que, no dia de amanhã, pode não haver. Agora, diga-me quantos micaelenses ganham 50 euros num dia? Vamos contar pelos dedos.
Eu não faço mais do que a minha obrigação. Estou a ganhar o suficiente para pagar as despesas e aos meus 150 funcionários e ter algum lucro. Esta é a minha obrigação como empresário.
Quando os pescadores lhe disserem que ganham pouco porque é que não lhes pergunta: Então, porque é que os senhores têm BMW, têm Mercedes e têm uma boa casa?
ÀS vezes dói ver escarrapachado nos jornais que são os vendedores que ganham mais na fileira do peixe. E o que acontece, às vezes, à que perdemos dinheiro.
E para exportarmos o pescado pagamos 2,5 euros por quilo. Ninguém escreve sobre isso.

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Milton Moniz é, actualmente, um dos principais comerciantes de pescado dos Açores. Na conversa com o repórter do Correio dos Açores, falou das dificuldades do comércio do peixe. “Não sei se vou vender o peixe que compro na lota. Ou se o cliente me vai pagar”.
“Se eu não vender”, prossegue, “tenho de congelar o peixe e o seu valor baixa. Entretanto, o pescador já recebeu o seu dinheiro por este peixe”.
“O negócio do peixe é como o trabalho da formiga: Poupar no Verão para ter no Inverno”, afirma Milton Moniz para logo depois acrescentar que há na fileira do peixe “quem gaste logo o que ganha sem pensar no futuro”.
Diz que tem clientes, mesmo em São Miguel, que lhe devem entre 30 a 40 mil euros de peixe “e eu tenho de esperar. O que acontece – completa – é que tenho de pagar na lota o preço que compro à semana e, depois, recebo do cliente a 30 e a 60 dias. É esta a minha realidade”.
Milton Moniz não permite que o repórter lhe tire uma fotografia. “A cara”, afirma o comerciante, “não interessa. O que interessa é o que sai daqui de dentro”, conclui apontando com a mão para o coração.

Fonte: Correio dos Açores

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