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Padrinho do Bacalhau declara-se culpado perante justiça americana

Padrinho do Bacalhau declara-se culpado perante justiça americana

Armador português Carlos Rafael está acusado de quase 30 crimes de burla. Para fugir às limitações impostas pelas quotas de pesca, falseava a rotulagem das espécies que apanhava.

Nasceu no Corvo, nos Açores, e fez-se magnata da pesca nos Estados Unidos, para onde emigrou nos anos 60. Tornou-se uma lenda a ponto de ficar conhecido por Codfather – um trocadilho entre a palavra cod (bacalhau) e o filme Godfather (O Padrinho), que retrata o mundo da máfia. O armador Carlos Rafael criou um império do peixe a partir de New Bedford, no Massachusetts, mas nem sempre de acordo com as regras.

Há um ano foi preso e acusado de quase 30 crimes relacionados com contrabando de dinheiro e falsificação de documentos para escapar ao espartilho imposto pelas quotas de pesca. Para sair em liberdade teve de pagar uma fiança de um milhão de dólares. Hoje Carlos Rafael, 65 anos, irá apresentar-se num tribunal em Boston, perante o juiz William G. Young, e vai declarar-se culpado.

Este assumir da culpa faz parte do acordo feito com as autoridades. “Se continuasse a dizer que estava inocente as consequências poderiam ser muito mais graves”, explica ao DN Francisco Resendes, diretor do jornal Portuguese Times, que tem feito o acompanhamento do caso. “Não se prevê que venha a ser condenado a uma pena de prisão”, acrescenta o jornalista, que acredita que tudo será resolvido com o pagamento de uma multa entre “250 mil e 500 mil dólares [235 mil euros e 470 mil euros]”.

Codfather responde por um crime de associação criminosa, outro de contrabando de dinheiro para Portugal e 25 de falsificação de rotulagem de peixe para escapar às limitações impostas por lei. Rafael pescava espécies sujeitas a quotas mais rigorosas (como a solha) e etiquetava-as como palocos ou arenques. Segundo a acusação, ao longo de quatro anos, Rafael declarou falsamente cerca de 370 toneladas de pescado. Os lucros eram depois contrabandeados para Portugal com a ajuda de António Freitas, ex-vice-xerife de Bristol. O início do julgamento deste descendente de portugueses está marcado para maio.

Esta não é a primeira vez que Carlos Rafael – apresentado pela empresa norte-americana como o maior armador de Nova Inglaterra (região que engloba os estados do Massachusetts, Maine, New Hampshire, Connecticut, Vermont, Rhode Island) -, que gere uma frota superior a 40 navios de pesca, tem problemas com a justiça norte-americana. O primeiro choque entre o empresário português e os tribunais aconteceu ainda nos anos 80, por fuga aos impostos. Apanhado pelo fisco, passou quatro meses e meio na prisão e foi obrigado a pagar 750 mil dólares de multa (702 mil euros). Na década seguinte também teve de responder por acusações de manipulação de preços, mas conseguiu escapar a uma condenação. “Sou um pirata. O vosso trabalho é apanharem-me”, terá dito Rafael aos reguladores do setor durante um encontro, relata a revista Hakai Magazine, num longo artigo dedicado ao português. “Ele tem esse lado, mas depois é um homem que se envolve profundamente em campanhas humanitárias, especialmente nos Açores. Tem ajudado muitas pessoas e muitas instituições”, sublinha Francisco Resendes em conversa com o DN.

Em duas décadas o Padrinho do Bacalhau terá pago apenas em multas, segundo o que escreve a Hakai Magazine, mais meio milhão de dólares (467 mil euros). Desta vez, Carlos Rafael caiu numa cilada montada pelos investigadores. De acordo com o processo judicial, em 2015 o empresário português fez saber que tencionava vender a empresa e abandonar o negócio da pesca. Cinco meses mais tarde, em junho, três homens sentaram-se à mesa com Rafael para negociar. Fizeram-se passar por investidores russos com ligações ao mundo do crime, mas eram inspetores do fisco. Apesar de a contabilidade da empresa não revelar essa dimensão, o Codfather queria receber 175 milhões de dólares (163 milhões de euros) pela venda da Carlos Seafood Inc. Rafael explicou aos alegados investidores o esquema – ou “a dança”, nas suas palavras – da fraude, que apenas nos seis meses anteriores lhe tinha permitido encaixar 600 mil dólares (560 mil euros) em dinheiro vivo. O pescado, falsamente etiquetado, era enviado para Michael Perretti, um comerciante de Nova Iorque já com cadastro, que em troca enviava as notas que depois Rafael contrabandeava para Portugal com a ajuda de António Freitas.

Numa entrevista à açoriana Costa Ocidental TV, gravada no verão de 2014 e disponível no YouTube, o Padrinho do Bacalhau conta o caminho que o levou aos EUA. “Quero-me num inferno em qualquer lado menos nesta ilha”, disse à mãe ainda adolescente. Nascido em 1952, sentia-se preso nas quatro paredes de mar que rodeiam o Corvo. Arranjou maneira de ser expulso do seminário para onde tinha entrado como forma de fugir ao serviço militar. Esgotada essa escapatória, e para evitar que Carlos, quando fizesse 18 anos, fosse obrigado a ir para África combater, a família decidiu fazer as malas e rumar para os EUA. Tinha 15 anos quando desembarcou no Massachusetts em 1968. Hoje, 50 anos mais tarde, Carlos Rafael irá assumir que fez batota no seu sonho americano.

Fonte: DN

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