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Roteiro do Património Subaquático dos Açores pode render 35 milhões por ano, garante José Luís Neto
Já se imaginou a fazer turismo no fundo do mar dos Açores? Tal realidade já existe há muito tempo e a adesão por parte dos turistas e até dos locais começa a crescer. Desta forma de fazer turismo nasceu o projecto “Património e Turismo Arqueológico Subaquático na Macaronésia, Margullar”. Este nasceu no âmbito do Programa Operativo de Cooperação Territorial (Interreg V-A) Espanha-Portugal (Madeira-Açores-Canárias) e é co-financiado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional da União Europeia. Sobre o mesmo falou connosco o arqueólogo José Luís Neto, coordenador técnico daquele projecto através da Direcção Regional da Cultura.
A iniciativa começou em 2017, estendendo-se até 2020, e é organizada pelas seguintes entidades: Cabildo de Lanzarote, Direcção Regional da Cultura, Agência para o Desenvolvimento Cultural dos Açores, Direcção Regional da Cultura da Madeira, Associação Comercial e Industrial do Funchal – Câmara de Comércio e Indústria da Madeira, Instituto do Património Cultural de Cabo Verde e Direcção de Património Cultural do Senegal.
Segundo o arqueólogo José Luís Neto, “estas regiões associaram-se com vista a agarrar num recurso cultural que possuem, o património cultural subaquático, e ver se em conjunto o conseguem transformar num património que seja turisticamente rentável”. Porém, “destas regiões, nem todas estão com o mesmo grau de desenvolvimento e de conhecimento e nem têm as mesmas experiências. A região que possui maior conhecimento é, precisamente, a Região Autónoma dos Açores, a qual tem investigação arqueológica há pelo menos 50 anos e de forma sistemática e cientificamente reconhecida há pelo menos 20 anos”, esclarece o arqueólogo.
Apesar de a iniciativa do projecto não ser dos Açores, o coordenador técnico explicou-nos que é a nossa região que está “a auxiliar outras regiões a desenvolverem um caminho que já tínhamos começado a trilhar anteriormente”.
Desta iniciativa algumas soluções e conclusões já nasceram, as quais agradam este chefe de divisão da Direcção Regional da Cultura. “Até ao final do projecto a República de Cabo Verde e a República do Senegal vão ratificar a convenção do Património Cultural Subaquático da UNESCO. Essa convenção é de 2001 e graças a este projecto, e havendo estes governos que ganham mais com isso do que com caçadores de tesouros, vão ratificar a convenção que proíbe os caçadores de tesouros. Isso será o maior resultado deste projecto, estou em crer, porque tem um significado que transcende em muito as regiões parceiras. É um assunto de estado! Nesse sentido, penso que esta é a grande conclusão. Para além disso, conseguimos consensualizar com as Regiões um conjunto de procedimentos face ao património cultural subaquático que, às regras da sua visita, será o modelo açoriano a vingar por toda a Macaronésia.” Diz-nos ainda o técnico superior que “esta certificação é um salto gigante que nos vai permitir trazer uma uniformização de estratégias para lá chegar que tornam os Açores, assim como toda a Macaronésia, um destino turístico muito mais forte, porque juntos somos muito mais fortes do que cada um por si. Portanto, ao termos as mesmas regras, ao espelharmos os mesmos princípios e sendo um modelo criado precisamente para dar resposta, a promoção conjunta dá-nos vantagens, até porque Canárias e Cabo-Verde são destinos de mergulho muitíssimo consolidados, que levam quantidades enormes de mergulhadores, os quais vão tomar conhecimento da realidade açoriana de uma forma muito mais directa e íntima através desta cooperação por toda a Macaronésia”.
Porém, por cá os recursos para estes projectos são limitados, pelo que “esse modelo é feito com custos controlados, porque os Açores são uma região rica no sentido em que possui múltiplos recursos mas não é uma região endinheirada. Portanto, desenvolve um modelo que é diferente das grandes nações da arqueologia subaquática, como os Estados Unidos da América, Inglaterra e França, sendo bastante mais económico, mas acautela tudo aquilo que está dentro da convenção e torna hegemónico para toda a Região o código de ética do mergulho em património cultural subaquático da UNESCO”.
É nesse sentido que o técnico superior afirma que “com menos conseguimos mais, porque conseguimos uma abrangência de 100 projectos do próprio território. O Roteiro do Património Cultural Subaquático dos Açores contém 30 sítios visitáveis; esses locais são acedidos através dos operadores de mergulho que existem em cada ilha, excepto no Corvo”, esclarece.
As sinergias funcionam muito bem e aqui não é excepção, pelo que têm decorrido ligações entre diversas entidades com o objectivo de promover e preservar o património arqueológico, pelo que “temos várias sensibilidades sentadas a uma mesma mesa e temos conseguido consensualizar um conjunto de procedimentos que fazem com que todos ganhem e a acção seja coerente”, garante José Luís Neto.
As vantagens parecem ser mais que muitas com este tipo de turismo e diz-nos o arqueólogo que, “segundo o Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores, cada turista de mergulho equivale aqui a 1.500 euros. Tal inclui, não apenas os serviços especializados (operadores de mergulho), mas também passagens (aviação comercial), dormidas (hotelaria) e alimentação (restauração). Nós conseguimos calcular que este tipo de mergulho cultural gera, pelo menos, 35 milhões ao ano e este já é um valor que merece ser olhado com atenção e carinho. É um modelo sustentável, porque não tem uma intrusão no meio ambiente, é reproduzível e não é predatório e traz mais-valias para a economia local que permite uma vida com dignidade”.
Tendo em conta que metade deles mergulham em naufrágios, diz-nos José Luís Neto que “na ilha Terceira quase todos os mergulhos são feitos no Lidador, em São Miguel no Dori e no caso da Graciosa no Terceirense”. A verdade é que muitos turistas que vêm fazer mergulho aos Açores acabam por fazê-lo aqui pela primeira vez”.
Note-se que este roteiro foi apresentado na Bolsa de Turismo de Lisboa em 2017, tendo começado a ser construído em 2013, e veio “na sequência de um conjunto de acções que já se estavam a promover”. A promoção reflecte-se no aumento deste tipo de turismo, mas José Luís Neto garante que “ainda não conseguimos mensurar. Tem sido uma aposta, inclusive nas feiras promovidas pela Associação de Turismo dos Açores, e este roteiro é um produto diferenciador até porque geralmente aquilo que se promove nas visitas de turistas a naufrágios é apenas um ou dois sítios e não uma escala que envolva o arquipélago todo”.
Entretanto, já decorreram outras iniciativas com o igual objectivo de preservar e divulgar este património cultural. “Já saiu o Guia do Mergulho para os operadores, para que possam contar a História, os audiobriefings, para que antes ou depois do mergulho os próprios mergulhadores possam ver imagens e perceber melhor a História dos navios, e no próximo ano vai ser lançado o Manual de Boas Práticas, também para os operadores, e umas cadernetas de mergulho no roteiro onde os mergulhadores vão pondo os carimbos e vão percorrendo os 30 sítios. Estas cadernetas têm uma versão em inglês e outra em português”. O público das escolas não será esquecido, pelo que “será distribuído por todas as escolas do arquipélago um livro para o público infanto-juvenil, com texto da Sandra Bairos e ilustrações de Luís Brum, onde se faz uma viagem aos tesouros do fundo do mar”. Para o público em geral, “no próximo ano circulará uma exposição itinerante dedicada aos naufrágios dos Açores, a qual passará pelas casas do povo e pelas juntas de freguesia”.
Nesse sentido, o objectivo da organização do Margullar não é “focar-se apenas no turismo externo, mas simultaneamente tornar o projecto num factor de verificação da identidade açoriana para os açorianos, tanto que estes por si só possam proteger e reclamar como seu aquilo que está no fundo do mar, que é um património comum e colectivo”.
Garante-nos José Luís Neto “este projecto tem servido também para apresentar novos sítios que futuramente serão incluídos no roteiro, que se fosse lançado hoje contemplava mais sítios (…). Vamos fazendo a motorização e os acertos necessários a cada local específico pelas suas condições de fundo marinho ou pela sua proximidade ou lonjura face à costa”.
O arqueólogo esclarece que é o coordenador técnico “de um trabalho colectivo e de equipa que deve ser referido; a equipa é vasta e envolve membros que não só trabalham na Direcção Regional com competência em matéria de Cultura, mas envolve também investigadores universitários e muita gente que felizmente tem vindo a cooperar para o mesmo lado com vista a este fim comum”, conclui.
Fonte: Correio dos Açores