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Temos “o melhor peixe do mundo”. E conseguimos comê-lo?

Temos “o melhor peixe do mundo”. E conseguimos comê-lo?

Muito do nosso melhor peixe e marisco é para exportação. O poder de compra dos portugueses não permite comprá-lo, o que nos obriga a importar peixe mais barato e de menor qualidade. Haverá formas de inverter esta situação?

São 5h da madrugada e junto à lota de Vila Real de Santo António, no Algarve, estão já estacionadas várias carrinhas. As matrículas e nomes das empresas indicam que são todas espanholas. Estamos ao lado de Espanha, o que ajuda a explicar o elevado número de compradores espanhóis. Mas não explica o facto de não haver um único comprador português.

O marisco vai entrando, em caixas cheias de gelo, e os homens tentam afastar o sono com um pequeno-almoço no pequeno café ao lado da lota. Daí a pouco começará o leilão, com a pescaria de cada barco a desfilar, e os compradores a assinalarem a compra assim que o preço atinge o valor que consideram justo (o leilão é decrescente e o preço vai baixando até alguém carregar no botão, assegurando a compra).

Perguntamos aos frequentadores habituais da lota por que é não se vêem portugueses a comprar, e a resposta é sempre a mesma: porque não têm poder de compra para este tipo de marisco.

Significa isto que Portugal tem muito bom peixe, e muito bom marisco, mas que grande parte dele destina-se à exportação? E que nos seus mercados e supermercados os portugueses compram, muitas vezes, peixe importado, porque é mais barato?

Existe uma campanha que promove o peixe português como “o melhor do mundo”, e que se apoia na opinião de alguns dos mais prestigiados chefs internacionais, que dizem utilizar o peixe português nos seus restaurantes e não poupam elogios à sua qualidade. Mas chegaremos nós a prová-lo?

“Em números redondos podemos dizer que exportamos cerca de 200 mil toneladas e importamos cerca de 400 mil”, diz Leonor Nunes, investigadora do Instituto de Investigação das Pescas e do Mar (Ipimar). “O nosso consumo per capita é de 60 quilos anuais por pessoa e apenas um terço disso resulta das nossas capturas”.

Os números indicam que somos, de facto, grandes consumidores de peixe. Mas, na opinião de Leonor Nunes, “não consumimos peixe a mais”. “Temos hábito de comer peixe, o que é excelente para a saúde. Temos é que compensar esse desejo recorrendo à importação de quantidades significativas de algumas espécies.” Exemplos? “A pescada, que vem do Chile, América do Sul, África do Sul, Nova Zelândia, os cefalópodes [polvo, lulas…], de várias partes do mundo, o salmão, vindo sobretudo da Noruega e algum do Chile, e que também se instalou nos hábitos dos portugueses, e a dourada e o robalo de países como a Espanha e a Grécia, a maior parte dele de produção intensiva.”

No passado, os portugueses iam pescar longe. As embarcações traziam bacalhau do Atlântico Norte, pescada da Mauritânia e da América do Sul, cefalópodes também das costas sul-americanas. Mas, lembra Leonor Nunes, “com a implantação do direito do mar, quando os países ribeirinhos passaram a ter acesso preferencial ao peixe das suas costas, perdemos a capacidade de pescar nessas zonas, por isso agora limitamo-nos a uma pesca na nossa zona económica exclusiva”.

E, com uma costa grande como a de Portugal, essa pesca permite a captura de excelente peixe. O problema é que “o nível económico do país não permite o consumo de todo o bom peixe que se pesca. Não sei se estamos a exportar todo o nosso melhor peixe, mas exportamos uma quantidade muito importante, que se destina a mercados com outra capacidade económica”.

A investigadora do Ipimar confirma aquilo que já tínhamos visto de madrugada na lota de Vila Real de Santo António. “O marisco que temos é bom, sobretudo na costa algarvia, mas tradicionalmente a melhor parte é adquirido pelos compradores espanhóis e comercializado em Espanha”.

De onde vem então o marisco que consumimos nas marisqueiras portuguesas? “Temos o caso da sapateira, muito apreciada em Portugal, que vem da Escócia e do Canal da Mancha, e, quando é congelada, vem de vários países, em particular da Irlanda”. A mais-valia dos portugueses tem a ver com a forma como tratamos esses mariscos e peixes. “Conseguimos transformá-los quase em ícones gastronómicos. Desde o tempo dos romanos que introduzimos na nossa dieta o consumo de peixe, e fomos refinando cada vez mais a prática gastronómica”.

Fonte: Alexandra Prado Coelho in Público

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